Michel Laub

Mês: março, 2010

Dez dicas para o crítico literário iniciante

(Publicado na revista Entre Livros, numa versão um pouco diferente, em 2007):

1. Um bom começo pode ser a leitura de O imperador do vinho, de Elin McCoy, biografia de Robert Parker, a figura mais controvertida do mundo da enologia. Uma nota alta na Wine Advocate, sua newsletter, é capaz de enriquecer um fabricante. Uma nota baixa pode ser a falência. Ao longo dos anos notaram que ele preferia vinhos frutados, e muitas propriedades passaram a chamar especialistas para se adequar a esse gosto, mudando a composição do solo e a forma do plantio e da colheita.

2. Parker talvez seja o exemplo máximo de crítico bem sucedido hoje – rico de fato, influente de fato. Quase todos os outros profissionais da categoria, trabalhem eles com música, cinema, televisão, videogames ou carnaval, estão mais próximos da figura descrita por George Orwell em Confissões de um resenhista: “Trinta e cinco anos, mas aparenta cinquenta (…) [Trabalha num] conjugado frio, mas abafado (…). Dos milhares de livros que aparecem todo ano, é quase certo que existam cinquenta ou cem sobre os quais teria prazer em escrever. Se for de primeira categoria na profissão, pode conseguir dez ou vinte. É mais provável que consiga dois ou três”.

3. Ou seja, prepare-se para o tédio e a pobreza. Você lerá só por obrigação. Nunca mais irá atrás de um livro indicado por um amigo. Nunca mais fechará um livro com a sensação de que, para o bem ou para o mal, e isso é quase regra para leitores mais experientes, não há o que dizer sobre ele. Sempre há: caso contrário, as contas não fecham.

4. Não se preocupe, no entanto: existem truques para encher essas páginas. Se você quer malhar um livro e não sabe como, recorra a adjetivos abstratos e por isso mesmo úteis. A timidez, por exemplo. Argumente que o autor não explora suficientemente os conflitos da obra. Outras alternativas: excesso de objetividade, de subjetivismo, de frieza, de dramaticidade. A categoria das “idéias fora de lugar”, deslocada de seu contexto original, também ajuda: um romance com personagens redondos e arco narrativo completo pode ser atacado por seguir um modelo burguês de contar histórias, incompatível com o nosso século; um romance sem essas características pode ser descartado, justamente, pela incapacidade de prender o leitor.

5. Para o caso contrário, isto é, se você quer elogiar um livro que acha ruim, há dois recursos clássicos: a) em relação à prosa desagradável ou à trama incompreensível, diga que ambas simbolizam o incômodo e a irredutibilidade de sentidos do mundo contemporâneo; b) em relação à estrutura caótica e fragmentária, quando não se entende o que é início, o que é fim e do que é mesmo que estamos falando, afirme que ela reproduz, como metáfora de forma – que, sabemos, é necessariamente conteúdo –, o caos fragmentário da sociedade pós-industrial.

6. Mas se, por um desses acasos raros, você está decidido a dizer o que pensa, há também dois caminhos a seguir. O primeiro é confiar nos seus juízos pessoais, não temendo a exposição de preconceitos em público. Assim você terá mais chances de ser considerado ranheta, rancoroso e/ou pervertido.

7. O segundo caminho é se alçar a porta-voz de um “sistema”, para o qual são válidas mesmo obras que não são do seu agrado – por questões sociológicas, morais ou de “voz” (raça, credo, gênero). Mesmo que os motivos sejam nobres – sua humildade ongueira em não se considerar juiz definitivo do que é certo ou errado em estética e cultura –, há boas probabilidades de você ser visto como um crítico sem alma, sem coragem, sem caráter.

8. Independentemente da escolha, a reação geral é inevitável. Dirão que seu desejo secreto era ser ficcionista ou poeta. Dirão que você é leviano demais, complacente demais, que tem algum interesse obscuro – ascender na carreira, agradar aos pares da academia, fazer sexo (sem amor) – ou está a soldo de alguma entidade conspiratória – grupos literários rivais, maçons, seitas, partidos políticos de direita (se você receber salário da mídia golpista) ou esquerda (se escrever numa publicação financiada pela Petrobras).

9. Em resumo: você será odiado. Pelos autores que você desanca. Pelos autores que você ignora. Pelos autores que você elogia pelos motivos sempre errados. Pelos editores, tradutores, assessores de imprensa e outros críticos. Pela maior parte do público, mesmo os que o lêem com frequência (“Só para me irritar”).

10. Mas se, apesar de tudo, você insiste em abraçar a profissão, é bom se perguntar o motivo. Quando criança, usando o olfato hoje segurado em cerca de US$ 1 milhão, Robert Parker era capaz de listar ingredientes dos pratos que estavam sendo cozinhados na vizinhança, habilidade que o tornaria campeão absoluto dos “testes cegos” de uvas e safras. Isso se chama vocação. É o seu caso? Você se sente preparado para exercê-la de modo tão desanimador? Se a resposta for sim, ótima notícia. Não só para você, que ao menos achou um jeito honesto de ganhar a vida, mas para o meio literário. Porque não há nada de que ele necessite mais, hoje e em qualquer tempo: alguém que o ajude a enxergar, avaliar, selecionar. Diferentemente do que se diz, um crítico autêntico não é apenas o advogado do público. Ele é, em última instância, o maior defensor da própria literatura.

Fim de semana

Uma exposição – Maureen Bisilliat no Sesi.

Um relançamentoA balada do café triste, Carson McCullers (José Olympio, 192 págs.).

Um ensaio – Daniel Galera sobre games na Serrote.

Uma peçaCinema, montagem de Felipe Hirsch.

Um lugar para comer às sextas (não leve metais na bolsa) – Centro Cultural Judaico.

Um discoOne life stand, Hot Chip.

Egopress

1) Sou um dos autores citados no capítulo Os ‘00’ em metamorfose ambulante, do livro Ficção brasileira contemporânea, de Karl Erik Schollhammer (Civilização Brasileira, 174 págs.).

2) Em abril farei duas palestras na França: para alunos de literatura brasileira da Sorbonne, que leram O segundo tempo, e para uma turma da Universidade de Bordeaux, que leu O gato diz adeus.

Spoilers clássicos do cinema (1)

Em 5min25s, um chamado de Richard Farnsworth, uma resposta de Harry Dean Stanton, um cortador de grama que virou trator e dois irmãos velhos e cansados numa varanda sob as estrelas: a essência deste magnífico negativo – linear, silencioso e emocionado – dos pesadelos mais anárquicos de David Lynch.

Para quem ainda assim se queixa (2)

De Omar Bin Laden sobre o pai, Osama, na Rolling Stone:

“Não devíamos ficar empolgados com nenhuma situação (…). Não podíamos contar piadas, e a ordem era para não expressarmos alegria com nada. Ele dizia que permitiria que déssemos um sorriso, desde que não ríssemos. Se perdermos o controle de nossas emoções e dermos uma risada, devemos ter cuidado para não expor os caninos. Passei por situações nas quais meu pai realmente contava os dentes expostos.”

Para quem se queixa

Jung Chang em Cisnes selvagens – três filhas da China (Companhia das Letras, 485 págs.):

“Os pés da minha avó foram enfaixados quando ela completou dois anos. A mãe, que tinha ela própria os pés enfaixados, primeiro enrolou um pedaço de pano branco de uns seis metros de comprimento em torno dos pés dela, dobrando todos os dedos, com exceção do dedão, para dentro, sob as solas. Depois colocou uma grande pedra em cima para esmagar o arco. Minha avó gritava de dor e pedia-lhe que parasse. A mãe teve de amarrar-lhe um pano na boca, para amordaçá-la. Minha avó desmaiou várias vezes de dor.

O processo durava vários anos. Mesmo depois de quebrados todos os ossos, os pés tinham de ser enfaixados dia e noite com pano grosso, porque assim que eram soltos tentavam recuperar-se. Durante anos minha avó viveu com dores constantes e excruciantes. Quando implorava à mãe que desamarrasse as faixas, a mãe chorava e dizia-lhe que os pés desatados arruinariam toda a sua vida, e que fazia aquilo para a futura felicidade dela.

Naquele tempo, quando uma mulher se casava, a primeira coisa que a família do noivo fazia era examinar seus pés. Achava-se que os grandes, ou seja, os normais, traziam vergonha à casa do marido (…). Às vezes a mãe se apiedava da filha e retirava a faixa; mas quando a criança crescia, e tinha de enfrentar o desprezo da família do marido e a desaprovação da sociedade, culpava a mãe por ter sido fraca demais.”

O que é ser ator, por Paulo Autran

Trechos de entrevistas para diversos veículos reunidas no site do Instituto Moreira Salles:

Intuição – “Pode acontecer, numa construção de um personagem, aquele dia abençoado de intuição. E tem outras vezes em que esse dia não chega. Vem a temporada toda, a temporada acaba, e você diz: ‘Não teve aquele dia’. Aí é triste. Você faz porque o texto te leva, o teu personagem te leva, mas você sabe que não atingiu, digamos, o fundo, não foi lá. Acontece. O mais engraçado é que a sua opinião nem sempre coincide com a dos outros.”

Verdade – “Um dos melhores exercícios que eu acho em teatro para desenvolver a imaginação do ator é mandar ele dizer ‘Eu quero tomar café’ de n maneiras distintas, porque com isso essa simples frase pode ter muitos significados. Ele só tem que dizer isso, ‘Eu quero tomar café’, então tem que falar essas palavras como se estivesse dizendo ‘eu te amo’, ou ‘eu te odeio’, ou ‘minha mãe acabou de morrer’, ou ‘ainda vou te matar’, e assim por diante. O importante na interpretação é o que o personagem tem em mente ao dizer as frases do texto. Isso é que faz uma interpretação ser verdadeira ou não. Quando o ator decora seu texto feito um papagaio e solta simplesmente as palavras, ele não vai causar impressão alguma.”

Leitura e interpretação – “Não há melhor exercício para um ator do que interpretar um texto escrito só para ser lido. É outro tipo de esforço. Você tem a questão do ritmo, de como transmiti-lo ao vivo para uma plateia. É fantástico. A valorização da palavra é diferente da de um diálogo. O diálogo é escrito para ser dito, e aquele texto, não.”

Estrelas – “Não adianta uma atriz pensar assim: ‘Eu vou ser uma estrela’. O público é quem faz as estrelas. De repente, em um espetáculo de principiantes, você se surpreende com aquela menina no palco que nem é tão bonita assim, mas que tem um negócio que você não tira os olhos dela. Por quê? Porque ela tem carisma. Ela um dia vai ser estrela. Então, são seres que, parece, a natureza botou a mão em cima e abençoou. É a mesma coisa na pintura, na arquitetura: tem gente que tem dom. Teatro é arte, então, não é todo mundo que pode ser artista. Muitas pessoas aprendem, muitas pessoas fazem direitinho e não chegam lá.”

Autobiografia – “Foram pouquíssimos os personagens que eu fiz com os quais eu tinha algum ponto de contato. Um deles, em Depois da queda, de Arthur Miller, tinha muitos pontos de contato comigo, com o que eu estava pensando naquela ocasião, com o que eu achava da guerra, da violência, do mal que cada um trás dentro de si, e que nós somos obrigados a conviver com o mal dos outros e com o nosso mal também. Tudo isso batia naquele tempo, embora a vida do personagem fosse totalmente diferente da minha. Mas eu nunca joguei, conscientemente, a minha infância na criação de um personagem – devo fazer isso inconscientemente.”

Permanência – “Esse fato de o teatro ser efêmero, para mim, é um dos seus encantos. Se eu acreditasse, por exemplo, na vida eterna, talvez me preocupasse em não ficar tanto como vão ficar os autores, quanto vão ficar os filmes, quanto vão ficar os programas de televisão, se é que eles vão poder ser guardados por todos os séculos. Mas para mim não é nenhum problema não ser eterno.  E não me interessa a mínima, depois que eu acabe, o que é que vai acontecer.”

Fim de semana

Um disco longo Have one on me, Joanna Newsom.

Um filme longoIlha do medo, Martin Scorsese.

Uma exposição – design finlandês no Instituto Tomie Ohtake.

Um livroComo o futebol explica o mundo, de Franklin Foer (Zahar, 224 págs.)

Um perfil – David Denby sobre Clint Eastwood, 80, na New Yorker.

Cem escritores brasileiros e suas manias quando escrevem (6)

André Sant’Anna, autor de O paraíso é bem bacana “O meu problema na hora de escrever é arrumar uma desculpa para adiar a hora de começar a escrever. Antes, eu fumava uns cigarros – ‘só um cigarrinho antes de começar’ –, aí as idéias iam fluindo. Ou: ‘Vou tomar uma lá na padaria pra botar as idéias em ordem’. Felizmente, parei de fumar. Infelizmente, fui obrigado a parar de beber. Então, tenho assistir às piores porcarias na televisão, antes de ir para o computador.”

Bernardo Ajzenberg, autor de Olhos secos – “Frequentemente uso um poderoso tapa-ouvidos quando escrevo. Ele me ajuda. É uma forma de dar mais atenção à bagunça explosiva que vem de dentro da cabeça, sem intermediações e sem perder nenhum detalhe dela.”

Carlos André Moreira, autor de Tudo o que fizemos – “Como me dedico a escrever no que sobra de tempo da carreira de jornalista, meu horário é o que eu conseguir separar para sentar em frente ao computador – que fica no quarto, não tenho um gabinete especial em casa. Mas já notei que rendo melhor madrugada adentro e não durante o dia. Escrevo – e também trabalho como tradutor – depois de fazer uma xícara de café, trazê-la para a escrivaninha e colocá-la ao lado do monitor (onde podem ser vistos também alguns carrinhos Hot Wheels que tenho há muitos anos e que gosto que decorem o ambiente). A escrivaninha é uma bagunça, com pilhas de livros e CDs de rock em volta – na primeira meia hora, ouço música quando estou escrevendo. Depois desligo e continuo só com o som ou silêncio da vizinhança.”

Fabrício Carpinejar, autor de Canalha! – “Não consigo escrever sem camisa. É como desrespeitar a imaginação. Eu me sinto travado. Meu melhor período é de manhã. Na tarde, leio outros livros. Na noite, reviso meus originais. Eu me sustento com café. Fico isolado no fundo do pátio, num bunker, artefando a linguagem. Sou disciplinado. Na hora de algum bloqueio, faço faxina da grossa, com detergente e enceradeira. Volto cansado ao computador, sem vontade de mentir. Rabisco caderninhos, mas são os apontamentos que nunca leio. Adivinho o que escrevi lá. Os filhos não me atrapalham, podem conversar e perguntar que mantenho a costura da pele.”

João Gilberto Noll, autor de Acenos e afagos – “Gosto de escrever de manhã cedo. Me parece que é  meu melhor impulso venha desse horário. É a cabeça mais vazia,  muito mais propícia para um arranque em direção a um certo inconsciente.”

Cem escritores brasileiros e suas manias quando escrevem (5)

Carol Bensimon, autora de Sinuca embaixo d´água – “Quando quero criar uma cena, costumo pensar na trilha que estaria tocando caso a cena fosse a de um filme, e então saio para caminhar escutando essas músicas. Tomo notas e, quando sinto que já sei bastante sobre a cena, sento para escrevê-la. Nessa hora, é indispensável o chimarrão. Quase nunca escrevo sem estar tomando chimarrão. É o que segura minha vontade de ser fumante.”

Cintia Moscovich, autora de Por que sou gorda, mamãe? – “Basicamente, não consigo escrever com nenhuma peça de roupa me apertando. Nem com barulho, uma creche se mudou para a casa ao lado da minha e tenho vivido o inferno. Mas, no mais, eu tenho alguns hábitos, sim, que aplico depois das cinco e meia da tarde, quando o raio da creche fecha. Pode parecer engraçado, e de fato é, mas o ambiente em  que estou tem que estar agradável, nem frio nem calor, nada que me tire o foco de concentração. Sempre tenho um copo de água à mão. Quando sinto os olhos cansados, paro de escrever e tomo café. Quando a coisa fica preta, que nada me sai, faço uma dobradinha poderosa, café e chocolate. O café tem de ser recém-passado e o chocolate pode ser substituído por algum doce, importa é o açúcar. Fico na boa, beleza de doping engordativo, até me ocorrem idéias. O melhor de tudo é quando consigo andar de bicicleta ou fazer ginástica antes de escrever. Banho de endorfina e outros hormônios ajudam a relaxar e a pensar. Quando estou no desespero, coloco perto de mim um óculos que pertenceu a meu pai. Uma muleta afetiva das boas. Recomendo.”

Emilio Fraia, autor (com Vanessa Barbara) de O verão do Chibo – “Não consigo continuar nenhum texto se o fim da última linha de cada parágrafo não estiver alinhado o mais à direita possível na página – costumo inserir palavras ou frases para as linhas ficarem o mais à direita possível no arquivo, mesmo sabendo que a diagramação no livro (jornal ou revista) vai ser diferente depois. Durante um tempo eu só conseguia escrever se no Word o papel estivesse configurado para tamanho Letter (alguns dizem TOC). Voltei a escrever num caderninho. Letra cada vez menor. Se tudo vai mal, saio para andar ou leio trecho de algum livro (sempre que possível, Onetti). Escrever antes de escrever (cabeça) e escrever na hora de escrever (papel) são entidades distintas e complementares. Ler em voz alta: fundamento da vida na Terra.”

Luiz Paulo Faccioli, autor de Trocando em miúdos – “Escrever para mim é uma intimidade. Preciso de silêncio, conforto, concentração e isolamento. Se alguém estiver presente, mesmo sem saber o que estou escrevendo, sinto como se eu praticasse sexo em público. Sou mais produtivo à tarde e no começo da noite. De manhã sou preguiçoso, à noite tenho sono.” 

Vanessa Barbara, autora (com Emilio Fraia) de O verão do Chibo – “Gosto de escrever de madrugada (porque ninguém me interrompe) e costumo mudar a fonte de tipo e tamanho na hora de reler. É para ter uma ‘visão diferente’ do texto. Às vezes também releio em pé, meio de lado – é uma mania absolutamente idiota que nunca serve pra nada. Gosto de escrever de pijama ou com a roupa mais larga possível, que eu chamo de pijama social duplo.”

Cem escritores brasileiros e suas manias quando escrevem (4)

Antonio Xerxenesky, autor de Areia nos dentes – “É raro que eu escreva ficção sem estar bebendo. Bebendo (gerúndio), não bêbado (odeio muito), que fique claro. Cada conto ou pedaço de romance precisa encontrar sua bebida adequada. A do Areia nos Dentes foi (óbvio) tequila. Camino Real, sete dólares no free shop, para ser específico. Isso explica porque quase só escrevo de noite, já que não é do meu feitio beber de dia (ref. Ética). Isso também explica porque prefiro revisar durante o dia, quando a sobriedade e a lucidez imperam e a bebida oficial é o café preto.”

Daniel Galera, autor de Cordilheira – “Eu gosto de escrever com uma janela do lado, dando para qualquer tipo de vista aberta. Prefiro também começar a escrever quando não tenho mais nada pra fazer naquele dia. Se for de manhã, funciona melhor quando sei que não há compromissos ou cosias a resolver até o dia seguinte. Gosto de ler enquanto escrevo. Às vezes levanto da mesa e vou folhear um livro que gosto. Roupas: Indiferente. Música: prefiro não ouvir, mas se ouvir tem que ser algo meio de fundo, como gravações antigas de blues em volume baixo ou ambient music de bandas como Stars of the Lid. Outros hábitos: café e uma dose de single malt. Duas doses podem funcionar às vezes. A terceira dose arruina a sessão.”

Marcelino Freire, autor de Rasif – “Não tenho hora para escrever. Sempre estou atrasado. Paro em frente ao computador só quando a frase não pode mais esperar. Guardo a coisa até estourar. Algo que ouvi na rua, algum som que catei na TV. A partir dessa primeira faísca é que vou contando/cantando a história, sem saber aonde ele vai dar, às cegas. Não acendo incensos. Para não afastar os fantasmas. Não posso ouvir música. Tenho de estar em silêncio. Todo concentrado para a palavra – uma vez que ela, repito, é o meu guia. Neste escuro, neste abismo e maravilha! Quando pego o ritmo, a voz do personagem. Quando sei que não mais o perderei de vista. Dou um breque. Uma paradinha e pego uma cerveja. Uma só, para não ficar bêbado. Não consigo escrever embriagado. Tudo em mim tem de estar ligado . Sóbrio e afinado. Para ouvir, sem intermediários e sem atrapalhos, o que eu tenho a dizer. Sempre cercado de dicionários. Palavras de todo tipo. Essa é minha ladainha. O resto, amigo, sai na purpurina. E tenho dito.”

Rodrigo Levino, autor de Dias estranhos – “Eu sou eu e minha rede. Não consigo escrever sentado, acho impraticável para dizer a verdade. Digo, sentado como se imagina alguém sentado. Gosto/só consigo escrever bem mezzo deitado mezzo sentado numa rede de balanço ou, a depender das circunstâncias, na cama. Apóio os braços em cima de algo – montanha de travesseiros ou bordas da rede – e faço da cama/rede uma poltrona onde posso esticar as pernas e, no caso da rede, praticar o balanço, sendo o dedão do pé ou o cotovelo as forças propulsoras. Prefiro escrever à noite, com poucos intervalos, tomando café. Todo início é um parto, fico dias escolhendo a primeira frase/cena. Quanto mais janelas abertas, melhor. Já escrevi bêbado, eu tinha dezoito anos.”

Sérgio Rodrigues, autor de Elza, a garota – “Sou avesso a superstições e rituais. Escrevo sempre no computador, Word, Times New Roman, corpo 12, mas isso não tem nada de mais. O que tento fazer é criar uma atmosfera confortável, tipo bermuda-e-camiseta ou bermuda só, e de distração mínima – o que significa basicamente deixar o telefone na secretária eletrônica e resistir à tentação de conferir emails e navegar na internet. Já tive fases de escrever só noite adentro, depois que a casa inteira dormia, e em nome de um certo espírito dionisíaco ficar bebendo uísque ou, nas raras ocasiões em que o inverno carioca merecia este nome, conhaque (ainda acho o conhaque uma bebida profundamente literária, não me pergunte por quê). Mas ultimamente tenho virado cada vez mais um trabalhador diurno e sóbrio. Seja como for, escrever é quase sempre um trabalho meio doloroso. Gosto mesmo é do que vem depois: editar o material bruto, cortar, montar os pedaços em outra ordem, preencher lacunas. Isso é tão prazeroso e envolvente que nessa hora nem faz diferença se o telefone toca ou os emails pipocam.”

Cem escritores brasileiros e suas manias quando escrevem (3)

Cardoso, autor de Cavernas e concubinas – “Em matéria de métodos, manias e superstições relativas ao ato de A Escrita, confesso que já fui bastante FRESCO nessa vida. Houve época em que achava ADEQUADO o uso de muletas mentais (ref. cit. apetrechos), tais quais CHAPÉU PANAMÁ e MÁSCARA DE BORRACHA – essa não resistiu ao verão cataclísmico de 1999 – e o consumo de DRINKS variados (destaque para minha receita particular de CHOCONHAQUE, preparado com Nescau e vodca). Também passei uns bons seis anos acreditando que, sem uma JANELA pela qual pudesse FITAR o horizonte, nada de importante poderia ser feito, mas desde que me mudei para um prédio sem vista entendi que tudo não passou de MELINDRE infundado, e que nada disso fazia a MENOR diferença para o que ou como eu escrevia. Algo que pode, entretanto, ser citado para que não pareça que sou totalmente REGULAR é o fato de eu necessitar de muita PLACIDEZ quando escrevo, motivo pelo qual SEMPRE escrevo de madrugada e, de preferência, SOZINHO. Uma outra pessoa na sala, mesmo completamente IMÓVEL me tira totalmente a concentração. Ao mesmo tempo, por mais contraditório que seja, necessito de alguma espécie de MOVIMENTO no ambiente, por isso escrevo sempre sentado de frente para uma televisão ligada, quase sempre sem volume. De tempos em tempos, troco de canal.”

Carola Saavedra, autora de Flores azuis – “No início eu era muito metódica para escrever, tinha que ser na parte da manhã, a mesa arrumada, livros e anotações por perto, porta fechada, música de fundo, xícara de café, etc. Hoje em dia as coisas são mais complexas, escrevo quando dá, do jeito que dá. De todo aquele ritual, acho que restou apenas a xícara de café.”

Ivana Arruda Leite, autora de Alameda Santos“Pra falar a verdade, eu detesto escrever. O meu barato é reescrever, mexer no que já está escrito. O começo de um livro é sempre um sacrifício sem fim. Até porque eu sou do tipo que já tem a história pronta na cabeça antes de escrevê-la. Daí a preguiça. Pra eu me obrigar a ficar umas horinhas na frente do computador é só na base do prêmio e castigo. Eu fico me prometendo coisas. Se eu escrever mais uma hora, eu posso ficar duas no twitter. Ou jogando no computador. Se eu não escrever um capítulo hoje, eu não vou poder sair pra beber. Nesta fase, eu só escrevo de manhã e no meu trabalho. Trabalho de prisioneiro mesmo. Eu só relaxo depois da primeira versão concluída. Aí sim o prazer da escrita aparece e eu escrevo freneticamente de dia, de noite, em qualquer lugar. Se o editor não arranca o livro da minha mão eu mexo nele pro resto da vida.”

Luiz Ruffato, autor de Estive em Lisboa e lembrei de você – “Acordo, de segunda a sexta, invariavelmente, quando não estou viajando, às 6 da manhã, tomo café, leio o jornal, e às 7 começo a trabalhar. Sigo até meio-dia e meia, quando almoço. Não tenho superstições ou manias. Só escrevo em minha casa, em São Paulo, sempre diretamente no computador. As tardes dedico-as a responder mensagens, ir ao banco, resolver questões domésticas. À noite leio e às 10 já estou recolhido à cama.”

Marçal Aquino, autor de Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios“Escrevo literatura exclusivamente a mão, em cadernos tipo universitário, com caneta macia. Gosto da frase do Kureishi: ‘Escrevo com pau duro e caneta de ponta mole, e não o contrário’. Acho que é por aí. Se houver música, será instrumental, que letras atrapalham nessa hora. O ideal é que eu esteja sozinho e disponha do tempo que precisar, nem que seja uma ilusão.”

Cem escritores brasileiros e suas manias quando escrevem (2)

Edward Pimenta, autor de O homem que não gostava de beijos – “Só escrevo quando todos dormem. Levanto da cadeira várias vezes e vou à geladeira para renovar o copo de coca light. Fumo um Marlboro cremoso quando boto o ponto final. Word for Windows, espaço duplo, arial. Se não for assim, não consigo levar a sério o que sai na tela.”

Índigo, autora de A maldição da moleira “Acordo, tomo café e já vou para o computador. Sem pentear cabelo e sem tirar o pijama, senão estraga tudo. Escrevo até as 10:30h no máximo. Daí não escrevo mais. Só no dia seguinte. A exceção a isso é se eu  dormir depois do almoço, ou no meio da tarde e, ao acordar, for direto para o computador. Basicamente eu só consigo começar a escrever em estado de sonolência. Acordo junto com o texto.

Fora isso: só consigo escrever se estiver sem sapatos, anéis, pulseiras e maquiagem. O texto tem que estar em Times New Roman, 12, espaço 1,5. Não consigo escrever se tiver gente por perto. Não escrevo com música. Não consigo escrever no papel, só no computador.”

Miguel Sanches Neto, autor de Chá das cinco com o vampiro – “Escrevo apenas em momentos de intensidade. Um romance vai tomando corpo a partir do acúmulo de observações, frases e memórias, que num instante de choque se unem e se reproduzem ficcionalmente, afastando-se de suas origens. Assim, só consigo escrever tendo à disposição muitas horas de trabalho e durante semanas seguidas, sem interrupções da vida familiar ou social. Quando abandono um relato, ele perde a temperatura e não consigo retomá-lo. Para não parar, tenho que começar a escrever sempre pela madrugada, dia após dia, e seguir até o final da tarde. Acordo perto das 4 da manhã, aproveitando o despovoamento da cidade e me sentindo a única pessoa na face da terra. Na hora em que estamos escrevendo somos sempre a única pessoa na face da terra.”

Moacyr Scliar, autor de Manual da paixão solitária – “Em termos de escrever, o meu método, ou mania, ou superstição consiste em não ter método, ou mania, ou superstição. Desenvolvi minha atividade literária paralelamente a uma intensa carreira médica (primeiro clínica, depois em saúde pública), escrevia quando podia, quando dava tempo. E isso podia acontecer em qualquer lugar: numa lanchonete, esperando a comida, num hotel, no aeroporto (o laptop ajudou muito). Não preciso de silencio, não preciso de solidão, não preciso de condições especiais – só preciso de um teclado. E ah, sim, de ideias (mas diante do teclado as ideias surgem).”

Nelson de Oliveira, autor de Poeira: demônios e maldições – “Eu não tenho nenhum ritual interessante… Quem é que escrevia pelado, o Rimbaud? O Truman Capote? O Fernando Sabino? Mas tenho uma leve mania, não sei se posso chamar assim. Eu preciso escrever todos os dias. É uma de minhas mais fortes necessidades. No entanto, escrever demais é algo mental e fisicamente insuportável. Trinta minutos é o tempo ideal. Menos do que isso, não fico saciado. Mais, começo a ficar empapuçado. Então, posso dizer que sou um prosador homeopático.”

Cem escritores brasileiros e suas manias quando escrevem (1)

Andréa del Fuego, autora de Nego fogo – “Escrevo esgotando músicas, escolho uma faixa e a ouço até que o texto termine e nunca mais consiga ouvi-la outra vez.”

Daniel Pellizzari, autor de Dedo negro com unha – “Gosto muito de escrever nu, especialmente num cômodo com ar-condicionado. Já percebi que a presença de uma janela com vista interessante, especialmente em lugares altos (ref. Estou Suspenso Nas Nuvens A Mirar os Mortais), aumenta a produtividade em 42%. Silêncio brutal concedido por protetores auriculares: sim. Mas minha principal mania atual é sentar no trono do digitador e ficar listando mentalmente motivos para não escrever. Funciona muito.”

Fabrício Corsaletti, autor de Esquimó – “Só consigo escrever prosa de ficção de manhã. Das seis às oito e meia, no máximo. É nesse horário que minha cabeça funciona melhor, que eu consigo me concentrar mais. Ou me defender menos. Porque tenho a impressão de que às seis horas — isto é, mal-saído do sono —, sentado de frente pro laptop, já tendo tomado uma caneca de café sem açúcar e comido uma ou duas fatias de pão com manteiga, há pouca resistência entre o meu cérebro, minhas mãos e o teclado. É quando as frases saem mais facilmente. Não que não me dê trabalho; dá, claro. Às vezes muito, às vezes pouco. Mas acho que o maior esforço que eu faço é o de me disciplinar pra criar essas manhãs quase perfeitas — sem sono, sem ressaca e sem culpa. Por isso, quando estou escrevendo um conto (também escrevi um romance seguindo essa mesma regra), na noite anterior organizo minha mesa, deixando sobre ela apenas o laptop e alguma eventual anotação sobre o texto a ser escrito, ponho a água pro café na leiteira, o pó dentro do coador e durmo cedo, em geral antes das dez. No dia seguinte perco o mínimo de tempo preparando meu café da manhã. Dez minutos depois de acordar já estou escrevendo. Consigo dois ou três parágrafos por dia.

Com poesia é outra história. O poema se impõe independentemente do lugar ou da hora. O negócio é estar sempre atento pra perceber quando ele está ali, querendo se transformar em palavras.”

José Castello, autor de Ribamar – “Assim que abro a página em branco do computador, escrevo sempre no alto a palavra ‘NADA’. Sem isso, não consigo começar. Tenho a sensação de que ela me dá um chão. Fica mais claro que não tenho compromisso com nada, ou ninguém, e que posso avançar em qualquer direção.

Tenho sempre ao meu lado dois ‘amuletos’. Um pequeno elefante de bronze que herdei de meu pai. E um Quixote e um Sacho de madeira, dessas esculturas para turistas, que comprei em Sevilha, em minha primeira viagem à Europa, quando tinha 15 anos. O Quixote está com a perna quebrada e emendada com fita durex, mas não me afasto dele.

Preciso estar sozinho no escritório. Gente ao meu lado, seja quem for, me atrapalha – o que é espantoso, eu sei, para um cara que, como eu, trabalhou durante duas décadas em imensas redações.

Sim, gosto de ouvir música clássica. Nesse exato momento, por exemplo, ouço os Caprichos, do Paganini.”

Ronaldo Bressane, autor de Céu de lúcifer – “Para escrever o meu novo romance, comprei uma cortina: percebi que a luminosidade e a vista do nono andar me dispersavam. Outra coisa que me atrapalha demais é a internet, então corto a conexão. Pela primeira vez na vida, tenho preferido as manhãs às madrugadas. Alterno café e coca-cola com gelo. E a cada dia uso um dos chapéus da minha coleção. Me dá a impressão de ser outra pessoa. É meio bobo, mas tem funcionado.”

Egopress

1) A partir de hoje e ao longo do ano vou publicar uma série com depoimentos de escritores brasileiros sobre hábitos, manias e superstições em sua rotina de trabalho.

2) Nesta quarta, 17/3, a partir das 16h, na universidade Mackenzie (prédio histórico), acontece o lançamento de Ficção brasileira no século XXI, coletânea com organização da professora Helena Bonito C. Pereira. Haverá um debate com os escritores cujos romances são analisados no livro – entre eles eu, que chegarei um pouco mais tarde.

Fim de semana

Um livroA arte da ficção, David Lodge (L&PM, 246 págs.).

Um discoThe sea, Corinne Bailey Rae.

Um filme – Coração louco, de Scott Cooper.

Um filme saindo de cartazJards Macalé, um morcego na porta principal, de Marco Abujamra.

Uma exposição saindo de cartaz – fotos da Amazônia por Marcel Gautherot, IMS/SP.

Um feijão bom – cantina do hospital Moinhos de Vento, Porto Alegre.

Respeito e eventualmente admiro quem faz, mas eu não faria

(a não ser por dinheiro, claro):

1. crônica sobre sexo baseada em pesquisa científica com ratos ou primatas;

2. texto ridicularizando (ou defendendo) arte contemporânea, elogio de músico ou escritor a Fidel Castro, Big Brother.

3. ataque a banda de rock ruim de que gostei muito no passado;

4. considerações sobre a barbárie da internet (“comentários anônimos e sem nenhum embasamento”);

5. crítica literária usando as palavras “estatuto”, “chave” e “burguês”.

6. microconto;

7. obituário do romance, do cinema de arte, da canção pop assoviável, do “pensamento crítico”;

8. apologia nostálgica do velho Rio de Janeiro;

9. comentário falsamente cínico sobre: meio literário, meio jornalístico, bebida/drogas (ou tudo junto, o que dá na mesma);

10. hai-cai.

Música do dia

A relação entre ódio, castidade e salário

Nelson Rodrigues em A menina sem estrela (Companhia das Letras, 279 págs.):

“Enquanto não tive ordenado, assumia, diante de Roberto Marinho, uma atitude de humildade, subserviência (…). Durante aquele período, a fome apagou a minha identidade. Eu não era eu mesmo (…). E, súbito, comecei a ganhar de O Globo (…). Duzentos mil-reis no fim do mês (…). Aí aprenderia, como já disse, que o Raskolnikov exige um salário. O ódio que leva o sujeito a matar uma usurária, ou a dinamitar um czar, precisa de um ordenado. Mesmo o homicida sexual tem que ser um remunerado. Ou então não chega nem ao desejo.

Eis o que eu queria dizer e não encontrava palavras: – durante o meu desemprego e, portanto, durante a fome total, não desejei ninguém. Não pensava em mulher. De vez em quando procuro me lembrar se, naquela fase, em algum momento, quis  alguma mulher. Não me lembro de nenhuma figura feminina, nenhuma, nenhuma. Só me lembro da minha castidade.

E, agora, o sexo, a luta de classes, o amor, o ódio, a inveja, os pecados capitais e subsidiários trabalhavam novamente a minha carne e a minha alma. E repito: – fui, por muito tempo, uma espécie de Raskolnikov de Roberto Marinho. Odiei sua casa, as suas varandas, os seus automóveis, os seus ternos, os seus cristais.”

Fim de semana

Um discoGlitter and Doom Live, Tom Waits.

Um livroLady Macbeth do distrito de Mtzensk, Nikolai Leskov (Ed. 34, 96 págs.).

Uma reportagem – Chris Jones sobre Roger Ebert na Esquire.

Um plano-sequência – o do estádio em O segredo de seus olhos, de Juan José Campanella.

Um restaurante chinês bom (mas nunca melhor que o Chi Fu) – Hong He.

Egopress

1) Um dos capítulos de Ficção Brasileira no Século XXI: Narrativas Comentadas (Editora Mackenzie, 152 págs), organizado por Helena Bonito C. Pereira, é um texto de Maria Thereza Martinho Zambonim sobre meu romance Longe da água.

2) Escrevi o prefácio do recém-lançado Sou eu!, primeiro livro infanto-juvenil de João Gilberto Noll (Scipione, 48 págs).

3) Saiu uma entrevista comigo na edição de fevereiro da revista Conhecimento prático – literatura.

Filmes em cartaz

It might get loud Documentário com takes preciosos de Jimmy Page tocando Whole lotta love e uma versão de The weight, mas que vale mesmo pelo contraponto entre os estilos dos outros protagonistas: The Edge, cujo senso melódico é quase todo baseado em tecnologia – efeitos de pedal, por exemplo, responsáveis por sua marca mais célebre, o delay –, e Jack White, o mais novo e purista dos três. Na preferência por instrumentos ruins – “para lutar contra eles” – e no gosto pelo despojamento, que estaria mais próximo de uma verdade essencial da música – sua canção preferida, Grinnin’ in your face, de Son House, foi gravada apenas com voz e palmas –, ele faz uma ponte entre gêneros que não costumam ser muito associados, o blues e o punk.

Guerra ao terror – Há um momento em que em que você não torce contra e nem a favor do sargento americano recém-chegado a uma unidade de elite no Iraque. Isso talvez seja bom – porque estabelece a ambiguidade de que gostam tanto por aí – ou ruim – porque os personagens não são carismáticos ou, pior, as longas sequências de desarme de bombas acabam se tornando enfadonhas. Só que o desfecho redime tudo: na velha linhagem inaugurada por Apocalypse now, e como espécie de complemento a Jarhead, de Sam Mendes, que tratava do primeiro conflito no golfo, o filme de Kathryn Bigelow se revela menos uma história sobre implicações da guerra em larga escala do que sobre a guerra de cada um – independentemente dos mortos, dos feridos e da prateleira de sucrilhos.