Algumas semanas atrás o Twitter se indignou por algo dito ou feito por José Luiz Datena. Foi uma coincidência irônica, já que a própria plataforma às vezes lembra os programas policiais de tevê: um circo de horrores (sempre haverá um crime ou frase hedionda à disposição na timeline) que alimenta e é alimentado pela reação furiosa (e compreensível, como é a da dona de casa ao saber da história de assassinos e estupradores).
A diferença poderia ser que Datena manipula emoções para reforçar o sentimento reacionário, enquanto no Twitter progressista estamos a serviço de causas emancipatórias. Mas o resultado é esse mesmo? Já tive menos dúvidas a respeito. As demandas são esquecidas em dois dias, quando surge o novo fato a nos chocar – e dar recompensa narcísica pelos likes recebidos, e dinheiro para corporações via aumento de audiência.
Não é difícil perceber como a dinâmica desses sinais duplos – raiva e inação, crítica e passividade – pode servir a estruturas de poder. A gritaria com Datena ocorreu enquanto eu lia Do Transe à Vertigem, do professor da PUC-RJ Rodrigo Nunes (Ubu, 208 págs.), que em alguns trechos fala disso: há uma relação entre o sistema que em grande escala destrói a natureza, deixando pelo caminho um legado de desigualdade e anomia, e afetos não ideologicamente neutros do nosso cotidiano.
Trecho de texto publicado no Valor Econômico, 5-8-2022. Íntegra aqui.
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