Inconsciente, segredo e poder
Michel Foucault, cuja morte faz 30 anos este mês, em diálogo com Gilles Deleuze (em Microfísica do poder, Paz e terra, 431 págs., tradução de Roberto Machado):
“Foi preciso esperar o século XIX para saber o que era a exploração; mas talvez ainda não se saiba o que é o poder. E Marx e Freud talvez não sejam suficientes para nos ajudar a conhecer essa coisa tão enigmática, ao mesmo tempo visível e invisível, presente e oculta, investida em toda parte (…). A teoria do Estado, a análise tradicional dos aparelhos de Estado sem dúvida não esgotam o campo de exercício de funcionamento do poder (…). Atualmente se sabe, mais ou menos, quem explora, para onde vai o lucro, por que mãos ele passa e onde ele se reinveste, mas o poder… Sabe-se muito bem que não são os governantes que o detêm. Mas a noção de ‘classe dirigente’ nem é muito clara nem muito elaborada. ‘Dominar’, ‘dirigir’, ‘governar’, ‘grupo no poder’, ‘aparelho de Estado’ etc. é todo um conjunto de noções que exige análise. Além disso, seria necessário saber até onde se exerce o poder, através de que revezamentos e até que instâncias, frequentemente ínfimas, de controle, de vigilância, de proibições, de coerções. Onde há poder, ele se exerce. Ninguém é, propriamente falando, seu titular; e, no entanto, ele sempre se exerce em determinada direção, com uns de um lado e uns de outro; não se sabe ao certo quem o detém; mas se sabe quem não o possui (…). Se discursos como, por exemplo, os dos detentos ou dos médicos de prisões são lutas, é porque eles confiscam, ao menos por um momento, o poder de falar da prisão, atualmente monopolizado pela administração e seus compadres reformadores. O discurso de luta não se opõe ao inconsciente: ele se opõe ao segredo. Isso dá a impressão de ser muito menos. E se fosse muito mais? Existe uma série de equívocos a respeito do ‘oculto’, do ‘recalcado’, do ‘não dito’ que permite ‘psicanalisar’ a baixo preço o que deve ser objeto de uma luta. O segredo é talvez mais difícil de revelar que o inconsciente.”