Não sei se a alegria é uma questão de escolha, mas é certo que pode ser uma questão política. Num Roda Viva de 1988, o diretor e dramaturgo José Celso Martinez Corrêa respondeu a perguntas sobre uma suposta inconfiabilidade sua ao lidar com orçamentos, sobre os trabalhos que (não) tinha feito nos anos anteriores. Então apelidado de “decano do ócio”, e ainda no início da longa luta para defender a existência do Teatro Oficina – algo que durou até sua morte, no início deste mês, e não parece ter data para terminar –, ele ouviu de um dos entrevistadores a advertência de que era preciso ser realista ao propor projetos sem retorno financeiro aparente.
“Nenhum empresário ou governo sério vai ter coragem de botar dinheiro na sua mão”, disse o jornalista e editor Luiz Fernando Emediato. Ele se referia aos custos para montar As Bacantes, de Eurípedes, e construir o que é o atual prédio do Oficina. Zé Celso respondeu: “Você está encarnando o antagonista mais forte [das Bacantes], o personagem do Penteu. Que coisa bonita, teatralmente (…). Aqui é o palco do mundo. Chegamos exatamente no ponto. Ou o Brasil vai para o teu caminho, a tua imediatice, ou para um outro lado. E o outro lado traz prosperidade, riqueza”.
Emediato trabalhava no SBT, de Silvio Santos, dono do terreno que Zé Celso queria transformar numa extensão do Oficina (mais tarde ele passou a defender um parque no local). O diretor não via interesses opostos no conflito, já que a cultura também gera receita e empregos. Nesse sentido, o plano era deslocar a dramaturgia televisiva brasileira do Rio para São Paulo, trocando o modelo da Globo por um mais aberto, que fundiria a inovação do melhor teatro paulistano com a tecnologia de uma emissora ligada ao imaginário popular.
Mas a discussão no Roda Viva era mais ampla que isso, e vista hoje soa como premonitória. Em 1988, num mundo que vivia os estertores da Guerra Fria, o que influenciava o início da redemocratização brasileira, o modelo liberal do “possível” estava prestes a se tornar hegemônico. Zé Celso viveu pregando o contrário: a liberdade de primeiro imaginar o ideal, para só depois adaptar a ele as contingências práticas. Parece simples, mas é a coisa mais difícil de fazer quando a vida está submetida a uma lógica de eficácia, onde os valores de troca e uso se impõem sob uma capa de fatalismo cultural.
Trecho de texto publicado no Valor Econômico, 28/7/23. Íntegra aqui.