Michel Laub

Mês: janeiro, 2022

Fim de semana

Um livro – Escute as Feras, Nastassja Martin (Ed 34, 112 págs.).

Um disco – Once Twice Melody, Beach House.

Uma entrevista de 1986 – Pietro Maria Bardi (aqui).

Um filme meio datado – The French Dispach, Wes Anderson.

Uma série meio banal – Neymar, Netflix.

Pão de leite no Titanic

De volta a São Paulo depois de passar 2021 quase todo fora, constato a piora de tudo que dependia do poder público: preços, miséria, prédios novos e horrendos alheios a qualquer relação com o seu entorno, o que torna a cidade ainda mais segregada nas vizinhanças de classe média e alta. A vida melhorou com as vacinas, claro, mas elas são como um acidente no modo brasileiro de governar: uma iniciativa quase heroica de estados e municípios, a par da dança da morte no baile federal.

Diante de um quadro assim, restam as pequenas alegrias privadas. Há pessoas, memórias, a alegria de abrir um livro na estante de casa. Mesmo com a mão na roda do Kindle, com suas dezenas, centenas de itens arquivados, essa foi uma experiência ausente em Berlim: me deparar com aquele trecho salvador vindo de um título fora de moda, que chama atenção por motivos intermináveis – porque deu saudade das capas daquela editora falida, porque a leitura combina com o chá que acabamos de esquentar, porque algo remete a algo que remete a algo que de repente está diante dos olhos.

Nas últimas semanas voltei a esse universo aleatório e maravilhoso. Num dia, algumas páginas da estreia ruim de um amigo que não melhorou nos trabalhos seguintes. Em outro, um conto que me encantou vinte anos atrás e hoje soa piegas. Durante alguns minutos de intervalo do trabalho, lendo o pdf de um paper enfadonho, um nome me leva a uma personagem que não lembro se está no romance x ou y de um autor inglês superestimado, então procrastino o serviço para conferir a resposta entre meia dúzia de volumes cobertos de pó.

Tudo é alegria numa biblioteca, até os livros errados. Mas nada se compara ao milagre da página certa: ao fuçar na estante de poesia do escritório, me deparei com uma coletânea da americana Elizabeth Bishop (1911-1979).

Trecho inicial de texto publicado no Valor Econômico, 21/1/2022. Íntegra aqui.

Fim de semana

Um filme – A Filha Perdida, Maggie Gyllenhaal.

Outro – A Mão de Deus, Paolo Sorrentino.

Um podcast – ABFP.

Um episódio de podcast – Lota/Bishop no 451.

Um livro – Toda Poesia, Leonardo Fróes (Ed 34, 424 págs.).

2021, 2022

Louise Glück em Parábola da Fera (Tradução de Pedro Gonzaga): “O gato anda em círculos na cozinha/ com o passarinho morto,/ sua nova possessão./ Alguém deveria discutir/ ética com o gato enquanto ele/ perscruta o débil passarinho:/ nesta casa/ nós não exercemos/ a força deste jeito./ Diga isso ao animal,/ seus dentes já/ fundos na carne de outro animal.”

Ingeborg Bachmann em Um lugar de Incidências (tradução de Claudia Cavalcanti): “A loucura também pode vir de fora para atingir as pessoas, ou seja, muito antes caminhou de dentro das pessoas para fora, para fazer o caminho de volta em situações para nós corriqueiras, nos legados deste tempo. Pois não esqueço que estou no país de vocês, com suas incidências que (…) comunicam uma visão e um ouvido submetido (…) ao pesadelo e sua consequência.”

Leonardo Fróes em Tambores da Madrugada: “Que teme o coração na hora incerta/ em que o corpo desperta, e é madrugada? (…)// Nada ele sabe, o tolo coração disparado,/ senão que às portas da manhã/ seu horror terminou pausadamente./ Passado o aperto, a brisa, por contraste,/ o acaricia, restaura, consola e fortalece/ para enfrentar novos testes de agonia,/ iguais desabamentos de estrutura/ que outras noites lhe tragam, qualquer dia.”

Charles Simic em Poema (Tradução de Sylvio Fraga Neto): “Toda manhã esqueço como é./ Vejo a fumaça avançar/ a passos largos sobre a cidade./ Não pertenço a ninguém./ / Depois lembro dos meus sapatos,/ Que preciso calçá-los,/ Que ao agachar para amarrá-los/ Irei olhar para dentro da terra.”

Excerto de coluna publicada no Valor Econômico em 17-12-2021, com trechos inspiradores (ou não) para a virada do ano. Íntegra aqui.