Michel Laub

Mês: agosto, 2023

Fim de semana

Uma edição – Poesia Reunida, Sylvia Plath (Companhia das Letras, 512 págs.).

Um ensaio – Eu, Minhas Convicções E Um Moleque Preto Com Um Revólver Na Mão, Evandro Cruz Silva, Serrote.

Um documentário – Joan Didion: The Center Will Not Hold, Griffin Dune.

Uma série que vale pelo tema – The Days, Jun Masumoto.

Uma exposição – Flieg, IMS.

Fim de semana

            Um ensaio – Natalia Carillo e Pau Luque sobre hipocondria moral na Serrote.

            Um livro –Veludo Rouco, Bruna Beber (Companhia das Letras, 100 págs.).

            Um podcast – Collor versus Collor, Évelin Argenta.

            Um documentário – Wham!, Chris Smith.

            Um filme de 2007 – Margot e o Casamento, Noah Baumbach.

Formas do inferno

(…)

Ao reler A Idade Viril, me pergunto se ainda há lugar para o individualismo radical de sua abordagem. A ortodoxia de 2023 não é apenas uma restrição autoritária: ela também serviu para dar sentido coletivo ao relato autobiográfico, fazendo a dimensão pessoal dialogar com lutas emancipatórias de raça, gênero, classe. Como sempre em literatura, depende de como se faz. Nos piores casos, o autor que acusa a si mesmo deu lugar ao advogado de defesa das próprias virtudes, pegando carona na causa simpática do momento. Nos melhores, houve uma abertura de perspectiva, em que o ponto de partida da escrita deixa de ser o marco psicanalítico sem contexto para ganhar força política.

Exemplo notável são os romances memorialísticos do também francês Édouard Louis, que acabam de ganhar duas edições pela Todavia. Tanto em Quem Matou meu Pai (2018, 72 págs.) quanto em Lutas e Metamorfoses de uma mulher (2021, 112 págs.), ambos com tradução de Marilia Scalzo, o autor faz uma operação inversa à de Leiris. Enquanto A Idade Viril não olha muito para a história de sua época – a Primeira Guerra é apenas um tempo de surprise-parties, e o nazismo não é nem citado –, Lewis submete ao entorno social qualquer especulação sobre a própria identidade.

Trecho de texto sobre as memórias de Michel Leiris e Édouard Louis, publicado no Valor Econômico, 11/8/23. Íntegra aqui.

Fim de semana

Uma exposição – Retratistas do Morro, Sesc Pinheiros.

Um podcast – Lugar de Sonho, Nando Reis.

Um texto – Ian Bogost sobre o Twitter (aqui).

Um livro de Edward Louis – Quem Matou Meu Pai  (Todavia, 72 págs.).

Outro – Lutas e Metamorfoses de Uma Mulher (Todavia, 112 págs.).

Na trilha de Dioniso

Não sei se a alegria é uma questão de escolha, mas é certo que pode ser uma questão política. Num Roda Viva de 1988, o diretor e dramaturgo José Celso Martinez Corrêa respondeu a perguntas sobre uma suposta inconfiabilidade sua ao lidar com orçamentos, sobre os trabalhos que (não) tinha feito nos anos anteriores. Então apelidado de “decano do ócio”, e ainda no início da longa luta para defender a existência do Teatro Oficina – algo que durou até sua morte, no início deste mês, e não parece ter data para terminar –, ele ouviu de um dos entrevistadores a advertência de que era preciso ser realista ao propor projetos sem retorno financeiro aparente.

“Nenhum empresário ou governo sério vai ter coragem de botar dinheiro na sua mão”, disse o jornalista e editor Luiz Fernando Emediato. Ele se referia aos custos para montar As Bacantes, de Eurípedes, e construir o que é o atual prédio do Oficina. Zé Celso respondeu: “Você está encarnando o antagonista mais forte [das Bacantes], o personagem do Penteu. Que coisa bonita, teatralmente (…). Aqui é o palco do mundo. Chegamos exatamente no ponto. Ou o Brasil vai para o teu caminho, a tua imediatice, ou para um outro lado. E o outro lado traz prosperidade, riqueza”.

Emediato trabalhava no SBT, de Silvio Santos, dono do terreno que Zé Celso queria transformar numa extensão do Oficina (mais tarde ele passou a defender um parque no local). O diretor não via interesses opostos no conflito, já que a cultura também gera receita e empregos. Nesse sentido, o plano era deslocar a dramaturgia televisiva brasileira do Rio para São Paulo, trocando o modelo da Globo por um mais aberto, que fundiria a inovação do melhor teatro paulistano com a tecnologia de uma emissora ligada ao imaginário popular.

Mas a discussão no Roda Viva era mais ampla que isso, e vista hoje soa como premonitória. Em 1988, num mundo que vivia os estertores da Guerra Fria, o que influenciava o início da redemocratização brasileira, o modelo liberal do “possível” estava prestes a se tornar hegemônico. Zé Celso viveu pregando o contrário: a liberdade de primeiro imaginar o ideal, para só depois adaptar a ele as contingências práticas. Parece simples, mas é a coisa mais difícil de fazer quando a vida está submetida a uma lógica de eficácia, onde os valores de troca e uso se impõem sob uma capa de fatalismo cultural.

Trecho de texto publicado no Valor Econômico, 28/7/23. Íntegra aqui.