A primeira vez que estive Nova York foi em 1987, e uma lembrança nítida daquela viagem é o aspecto dos vagões no metrô. No período entre a recessão dos 1970 e a política higienista dos anos Giuliani, eles tinham as mesmas pichações que aparecem no filme que assombrou minha adolescência: Warriors (1979), de Walter Hill. Baseado num romance de Sol Yurick, com referências que vão do Kraftewerk a Laranja Mecânica, o enredo fala de uma gangue de Coney Island que atravessa Brooklyn e Manhattan para uma convenção de seus pares no Bronx. Um crime ocorre, os protagonistas são acusados injustamente, então é preciso fazer os 48 quilômetros de volta brigando com delinquentes vestidos de palhaços, dândis, jogadores de beisebol.
Warriors é um filme premonitório, ou influente em sua forma de adaptar à linguagem da época motivos clássicos da distopia urbana. A narrativa com estrutura de videogame, por exemplo, em que obstáculos/inimigos vão sendo vencidos um a um, com perda de vidas pelo caminho, é ligada a certo imaginário masculino – o público majoritário de jogos desde sempre – muito poderoso na cultura de hoje. O mesmo ocorre como o discurso de fundo da trama: um voluntarismo antissistema no qual gangues buscam um poder paralelo ao da polícia e da justiça, enquanto o Estado se degrada por omissão ou má fé.
Passo uns dias em Nova York para comemorar meus 50 anos. No tipo de reflexão que datas assim proporcionam, digo que há muito perdi a ilusão de que a grande história anda rumo às luzes, com as lições negativas do passado se comunicando com atos virtuosos do presente. Em certo sentido, os heróis de Warriors chegaram ao poder, mesmo que os vagões do metrô na Nova York de 2023 sejam limpos, com bandeiras do Estado norte-americano ao lado das portas de entrada. A rebeldia dos personagens do filme contra a autoridade institucional não era emancipatória, digamos, e hoje pode ser vista em todo tipo de fantasia miliciana/fascistóide. E o sentimento tribal que move o enredo, agora chamado de identitário, entrou para o mainstream eleitoral em sua versão mais bruta, virulenta e branca.
Trecho de texto publicado no Valor Econômico, 20/5/2023. Íntegra aqui.