Em Varsóvia há ruelas e avenidas de escala monumental. No bairro antigo veem-se pequenas casas reconstruídas depois da Segunda Guerra, e no centro prédios enormes posteriores à queda do comunismo. Recentemente a cidade viveu um florescimento hipster, o que em algumas regiões dá a ela um ar simpático de ironia sobre si mesma – por exemplo, num mercado farto de carnes, queijos e bebidas que mantém a decoração dos tempos escassos da Cortina de Ferro.
Tudo parece dentro dos parâmetros europeus atuais, ao menos para quem passa alguns dias por ali – no meu caso, caminhando a esmo, indo a museus e frequentando bares entre os compromissos de um pequeno evento do pequeno mundo literário. Seria possível terminar o relatório da visita à Polônia com mais meia dúzia de impressões ligeiras, dando algum toque pessoal aos palpites sobre arquitetura, economia e costumes, mas algo estaria faltando – justamente o mais importante quando se fala de um país governado pelo extremismo do Século XXI.
Qual a paisagem do horror hoje em dia? Para um turista, não é algo semelhante ao que ditaduras do passado nos acostumaram a ver. Em Varsóvia não há policiamento ostensivo, e na fronteira da Polônia (eu vindo de trem de Berlim) não me foi pedido nem passaporte. Na capital de um país que foi invadido por nazistas e soviéticos, com uma história longa de cercos, bombardeios, levantes e pogroms, uma noite de inverno de 2021 parece festivamente acolhedora. Há torcedores com apitos e bandeiras nas calçadas – a seleção nacional enfrentava a Hungria pelas eliminatórias da Copa –, e é bom respirar o ar gelado caminhando em meio à neblina.
Trecho de texto publicado no Valor Econômico, 3-12-2021. Íntegra aqui.
Curtir isso:
Curtir Carregando...