À primeira vista, A família Savage é um produto típico do chamado cinema independente americano: ali está a família desestruturada, os personagens mais ou menos fora das convenções, as referências literárias e, bem, até Philip Seymour Hoffman e Laura Linney – duas grifes que, embora com a qualidade costumeira, não deixam de ser uma jogada previsível.
Mas o filme tem uma característica que o diferencia desse modelo: a ausência de esforço para ganhar simpatia. Em nenhum momento a diretora e roteirista Tamara Jenkins tira da manga aquela virada providencial da trama, a partir da qual tudo o que parecia triste e bizarro se torna uma espécie de estética, a celebração da falibilidade ou coisa do gênero, algo tão presente na linhagem que nos últimos anos consagrou títulos como Pequena Miss Sunshine e Juno.
Isso se dá por um mecanismo curioso. Uma das mitologias em torno do cinema independente, mesmo aquele financiado por grandes estúdios em algum ponto de sua produção ou distribuição, é a de seu suposto realismo. É como se nesses filmes houvesse uma essência e uma verdade que, por uma série de motivos, escaparia ao produto corriqueiro de Hollywood. Não é bem assim, claro: como qualquer narrativa, Pequena Miss Sunshine e Juno fazem escolhas para, juntando na tela determinados personagens, determinado cenário, determinadas situações e um determinado tom para contá-las, mostrar uma versão sua para o que seria uma determinada realidade. O humor e a doçura desses dois filmes, o carisma dos tipos que ambos descrevem, a agilidade com que seus dramas aparecem, sem falar de fotografia e direção de arte e trilha sonora, todos esses elementos é que dão colorido e vitalidade a uma base no fim das contas um tanto enfadonha – o mundo dos “problemas verdadeiros”, das “pessoas verdadeiras” e, o que nunca falta nas ponderações críticas a respeito, da “América verdadeira”.
Pois A família Savage faz o contrário. A história de um professor universitário e de sua irmã, uma aspirante a dramaturga, ambos forçados a lidar com a demência progressiva do pai, inclui todos os detalhes melancólicos da vida nos asilos baratos, da solidão da meia idade, das carreiras profissionais estagnadas. Há uma ponta de sarcasmo aqui e ali, assim como um leve acento de esperança ao final, mas isso não é suficiente para afastar a sensação geral de desconforto, como se o filme fosse uma história européia escura cuja missão é revelar ao espectador, o que certamente o deixará espantado, como a vida às vezes pode ser dureza.
Em termos de rigor dramático é admirável e tal, mas lá pela metade da exibição dá saudades do velho realismo hollywoodiano. Aquele que o cinema independente bem-sucedido, de forma muito sábia, soube imitar dizendo que fazia o contrário.
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