Michel Laub

Mês: março, 2013

Feriado

Um livro – Lanterna Mágica, Ingmar Bergman (Cosac Naify, 320 págs.).

Um filme ok – Depois de Lúcia, Michel Franco.

Um almoço perto de casa – Guest 607.

Um disco – The next day, David Bowie.

Um show – Pearl Jam.

O que mais assusta um animal e um diretor de zoológico

Trecho de A vida de Pi, de Yann Martel (Nova Fronteira, 419 págs., tradução de Maria Helena Rouanet):

“Na natureza, os bichos levam uma vida de compulsão e necessidade, dentro de uma hierarquia social impiedosa, num habitat em que o medo existe em altíssima escala e a comida é escassa, o território precisa ser constantemente defendido e os parasitas eternamente suportados. Qual o significado da liberdade num contexto como esse? Na prática, os animais não são livres no espaço e nem no tempo, e tampouco nas suas relações. Em teoria (…) um animal pode perfeitamente pegar suas coisas e ir embora, desacatando todas as convenções sociais e os limites da própria espécie. Isso, porém, é muito mais improvável de acontecer que para um membro da nossa espécie; um comerciante, digamos, com todos os vínculos habituais – família, amigos, sociedade – pode largar tudo e abandonar a própria vida, levando apenas a roupa do corpo e uns trocados no bolso. Se um homem, a mais ousada e inteligente das criaturas, não vai ficar vagando de um lugar a outro, sem conhecer ninguém, sem se ligar a ninguém, por que um animal, que é muito mais conservador por temperamento, faria isso? Porque é isso que eles são: conservadores (…). A mais ínfima das mudanças é capaz de deixá-los aborrecidos. Na verdade, querem que tudo seja do mesmo jeito, dia após dia, mês após mês. Para eles, surpresas são algo extremamente desagradável. Dá para perceber isso nas suas relações espaciais. Um animal habita o seu espaço, seja num zoológico ou na natureza, do mesmo jeito que as peças de xadrez se movem pelo tabuleiro – de forma significativa. Não existe mais acaso, ou mais “liberdade” no local de moradia de um lagarto, de um urso ou de um veado que na localização de um cavalo no tabuleiro de xadrez. Ambos falam de padrões e propósitos. Na natureza, os animais se aferram a determinadas trilhas por razões prementes, estação após estação. Num zoológico, se um animal não está no seu lugar normal ou na sua postura habitual na hora de costume, tem alguma coisa errada. Pode ser o simples reflexo de uma alteração ínfima no ambiente ao seu redor. Uma mangueira enrolada, deixada ali por um funcionário, causou uma impressão ameaçadora. Formou-se uma poça que está incomodando o animal. Uma escada está fazendo sombra. Mas também poderia ser algo mais. Na pior das hipóteses, poderia ser aquilo que o diretor de um zoológico mais teme: um sintoma, o prenúncio de que há um problema à vista, um motivo para inspecionar o esterco, interrogar o zelador, convocar o veterinário. Tudo isso porque a cegonha não está exatamente onde costuma ficar.”

Fim de semana

Uma série – House of cards.

Uma série ok – The newsroom.

Um telefilme meio bobo – Hitchcock, Sacha Gervasi.

Um livro – A vida de Pi, Yann Martel (Nova Fronteira, 424 págs.).

Um disco – Mala, Devendra Banhart.

‘O voo’ e ‘O lado bom da vida’

Alguns termos usados pela crítica de cinema são curiosos. Um deles é “hollywoodiano” como sinônimo de visão de mundo conservadora – a favor da ordem, do capitalismo, do sentimento patriótico, da família tradicional. Digo isso porque Hollywood não é uma corporação monolítica, e sim a indústria que lança dezenas de filmes por ano, para diversos nichos de público, e até por lógica comercial precisa lidar com as ideias e os valores de cada época –tanto de maneira ufanista quanto desconfiada.

Trecho de texto publicado na Folha de S.Paulo, 1/3/2013. Íntegra aqui.

‘O impossível’ e ‘A vida de Pi’

A ideia de que a natureza é indiferente aos valores humanos, embora não aos seus atos, é incômoda por sua gratuidade amoral. Dois filmes em cartaz lidam com o problema de maneira distinta.

Trecho de texto publicado na Folha de S.Paulo, 4/1/2013. Íntegra aqui.

Fim de semana

Um livro – A lebre com olhos de âmbar, Edmund de Waal (Intrínseca, 318 págs.).

Um disco – mbv, My Bloody Valentine.

Um lugar em Lisboa – embaixada francesa.

Um prato – bochecha de porco.

Um prato difícil – arroz de lampreia.

Egopress

1) Diário da queda sairá também na Suécia (Albert Bonniers) e na Noruega (Gyldendal Norsk).

2) A edição espanhola do livro, da Mondadori, acaba de sair. E a portuguesa, da Tinta da China, será lançada nesta sexta, 18h30, na Fnac do Chiado, em Lisboa. Estarei lá para autógrafos e uma conversa com o escritor e crítico Pedro Mexia.

Links

– O que pensa e sente um autista: http://goo.gl/ZL9DY

– Os novos Coetzee (http://goo.gl/4PCGL) e Thom Yorke (http://goo.gl/8wHjl)

– Kevin Spacey imita Al Pacino para Al Pacino: http://goo.gl/AB7l3

– Daniel Galera sobre literatura e publicidade: http://goo.gl/zurR9

– Stockhausen, Warhol, Hockney e Ballard em áudio e vídeo: http://www.ubuweb.com, via @elviravigna

– Família russa que viveu 40 anos do Séc 20 isolada e com medo do anticristo (Czar): http://goo.gl/lxWbf, via @trasel

– ‘Pure fruit’, um documentário: http://vimeo.com/36666602

– Eduardo Pinheiro sobre ironia, assimetria e comunicação: http://goo.gl/kE9MP

– Otimismo e pessimismo, por André Lara Resende: http://goo.gl/ne9q4

– Caetano Galindo e um trecho de ‘Infinite Jest’: http://goo.gl/vZVYb

– Denise Bottmann sobre como traduzir Virginia Woolf: http://goo.gl/5aXmk

– Paul Schrader, Bret Easton Ellis e uma ruiva num set: http://goo.gl/0GexU

– Moda africana: http://anotherafrica.tumblr.com , via @kidids

Links

– Cores e clichês de cores no cinema, por Antônio Xerxenesky: http://goo.gl/9Na29

– O petróleo no Brasil pós-Pré Sal: http://goo.gl/UkYOP

– Antibióticos, superbactérias e apocalipse: http://goo.gl/zXauN

– Princípios e consequências num debate sobre tortura: http://migre.me/dC4VR

– Quadros negros em departamentos de física quântica: http://tinyurl.com/byfqbuv

– Pessoas parecidas e sem parentesco: http://goo.gl/17RSL, via @clara_caramujo

– Mercado editorial brasileiro, 2012: http://goo.gl/5xbUV

– Luiz Gonzaga no Pasquim, 1971: http://goo.gl/ErFP2

– Axl Rose por John Jeremiah Sullivan: http://goo.gl/uCp2P

– O paradoxo de Pinóquio: http://goo.gl/rYMO5

– Concentração de voos no mundo: http://www.flightradar24.com, via @alexandrerodrig

– ‘Caro Francis’, documentário de Nelson Hoineff: http://goo.gl/AzOIr

Fim de semana

Um disco – Push the sky away, Nick Cave.

Um livro – Are you my mother?, Alison Bechdel (Houghton Mifflin Harcourt, 304 págs.).

Um filme – Django, Quentin Tarantino.

Outro filme – O mestre, Paul Thomas Anderson.

Um documentário – Jorge Mautner, o filho do Holocausto, Pedro Bial e Heitor D’Alincourt.

Deixando o infinito cuidar de si mesmo

Salman Rushdie sobre os efeitos de sua condenação à morte pelo Irã – em virtude do romance Os versos satânicos, considerado blasfemo – no livro de memórias Joseph Anton (Companhia das Letras, 614 págs., tradução de Donaldson M. Garschagen e José Rubens Siqueira):

“Ainda se lembrava do que Borges tinha escrito sobre os limites da fotografia. A fotografia só via o que estava diante dela, e por isso um fotógrafo jamais conseguiria captar a verdade dos grandes pampas argentinos. ‘Darwin observou, e Hudson corroborou’, Borges escreveu, ‘que essa planície, famosa entre as planícies do mundo, não deixa uma impressão de vastidão em alguém que olha do chão, ou a cavalo, uma vez que seu horizonte é o horizonte do olhar e não vai além de cinco quilômetros. Em outras palavras, a vastidão não se encontra em cada visão dos pampas (que é o que a fotografia é capaz de registrar), mas na imaginação do viajante, em sua lembrança dos dias de marcha e da previsão de muitos dias mais’. Só a passagem do tempo revelava a vastidão infinita dos pampas, e uma fotografia não podia captar duração. Uma fotografia dos pampas mostrava nada mais que um grande campo. Não era capaz de captar a monotonia que produz delírios ao viajar, viajar e viajar através daquele vazio imutável, sem fim.

À medida que sua nova vida [de Rushdie] se estendia pelo quarto ano, ele se sentia sempre como esse viajante imaginário de Borges (…). O filme Feitiço do tempo ainda não havia sido lançado, mas, quando ele o assistiu, identificou-se intensamente com o protagonista, Bill Murray. A ilusão de mudança se desfazia com a descoberta de que nada havia mudado. A esperança apagava a decepção, as boas notícias, as ruins. Os ciclos de sua vida se repetiam incessantemente. Se soubesse que seis anos mais de isolamento se estendiam à sua frente, muito além do horizonte, então a demência realmente teria se estabelecido. Mas ele só enxergava até a beira da terra, e o que havia além parecia um mistério. Ele cuidou do imediato e deixou o infinito cuidar de si mesmo.

Seus amigos lhe disseram depois que viram o fardo esmagá-lo lentamente, deixando-o mais velho do que era. Quando a coisa enfim terminou, uma espécie de juventude voltou, como se o fim do infindável tivesse de alguma forma feito o tempo voltar ao ponto em que havia entrado no vórtice. Ele acabaria parecendo mais jovem aos cinquenta do que parecera aos quarenta. Mas seus cinquenta anos ainda estavam dez anos à frente. E, nesse meio tempo, quando sua história era mencionada, muita gente ficava impaciente, irritada ou entediada. Não era uma época paciente, mas uma época de mudança rápida, na qual nenhum assunto prendia a atenção por muito tempo. Ele se tornou um incômodo para os empresários porque sua história atravancava o desejo que tinham de desenvolver o mercado iraniano, e para diplomatas que tentavam erguer pontes, e para jornalistas que, se não tinham nada para contar, ficavam sem notícias. Dizer que a imobilidade, a intolerável eternidade dela, é que era a notícia seria dizer uma coisa que as pessoas não queriam ou não iriam ouvir. Dizer que ele acordava todo dia com a casa cheia de estranhos armados, que não podia sair para comprar um jornal ou pegar um café, que a maioria de seus amigos e mesmo sua família não sabia o endereço de sua casa, e que ele não podia fazer nada, nem ir a lugar nenhum a não ser com a concordância de estranhos; que o natural para todo mundo, viajar de avião, por exemplo, era uma coisa que ele negociava constantemente; e que em algum lugar das redondezas, sempre, havia a ameaça de morte violenta, uma ameaça que, segundo as pessoas cujo trabalho era avaliar essas coisas, não havia diminuído absolutamente nada… era chato. Como? Ele ainda estava viajando pelos pampas e tudo era igual a antes? Bem, todo mundo tinha ouvido essa história e não a queria ouvir mais. Conte uma história nova, essa era a opinião geral, ou então, por favor, vá embora.”