Michel Laub

Mês: novembro, 2023

Egopress

– Meu novo romance, Passeio com Gigante, sai em março de 2024 pela Companhia das Letras. Mais informações aqui.

– Sábado, 25/11, 20h30, na Flip, estarei com Sidarta Ribeiro e Antonio Prata na mesa Psicodelia, Neurociência e cinema, da república.org. Mediação de Ruan de Sousa Gabriel.

– Segunda, 27/11, 18h30, no clube de leitura da FISESP, participo de um debate sobre Diário da Queda.

– Em 2/12, 11h, na programação do 2º festival literário do Museu Judaico de SP, converso com a escritora francesa Colombe Schneck sobre memória e Shoá. Mediação de Adriana Ferreira Silva.

– Escrevi o posfácio da edição comemorativa de Encontro Marcado, de Fernando Sabino, que acaba de ser lançada pela Record.

Réquiem político

Quando estreou O Irlandês, de Martin Scorsese, em 2019, houve muitos comentários sobre o rejuvenescimento meio caricato que os efeitos especiais deram a Joe Pesci e Robert De Niro, atores que voltavam a trabalhar com o cineasta quase 30 anos depois de Os Bons Companheiros e Cassino. Também se falou do desempenho não muito convincente de Al Pacino. Também da pertinência de uma história escrita, dirigida e estrelada por homens, num tempo em que o universo masculino tinha virado um sinal político obsoleto, quando não reacionário.

Tudo verdade, e tudo fatal para o resultado se estivéssemos diante de uma escola de samba, com a média das notas determinando a sorte de um desfile na Sapucaí. É assim que certa crítica de cinema atua: separando os filmes em itens e julgando-os segundo uma suposta objetividade técnica – que, na maioria das vezes, é apenas expressão beletrista de uma visão de mundo filisteia. Dela fazem parte um juízo literal de verossimilhança (na vida real é assim ou não é), uma atribuição narcisista de valor (me identifiquei com os personagens ou não), uma leitura política rasa (a partir de lacração em diálogos, por exemplo).

Uma obra narrativa é feita de partes, mas é mais que isso. Se o discurso estético conseguir ter força autônoma, as eventuais falhas podem ser incorporadas como estilo – compondo uma originalidade que paira acima da eventual competência técnica, às vezes a desmentindo. É o que acontece com O irlandês, um triunfo imenso da fase madura de Scorsese, que serve como réquiem para certo cinema grandioso, aqui subvertido pelo que a obra do diretor sempre fez: usar determinadas convenções (como a do filme de máfia) como base material para um discurso metafísico (de referência cristã) sobre a morte (de pessoas, dos mundos que elas criaram ou habitaram).

Trecho de texto publicado no Valor Econômico, 17/11/23, sobre Assassinos da Lua das Flores e a obra de Scorsese. Íntegra aqui.

Fim de semana

Um catálogo – Leonilson, Corpo Político (Almeida & Dale, 200 págs.).

Um ensaio – John, Julia de Souza (Âyiné, 108 págs.)

Um romance – Vinco, Manoela Sawitski (Companhia das Letras, 256 págs.).

Uma ópera no Municipal – Navio Fantasma, Wagner.

Um vídeo – Scorsese sobre Glauber Rocha (aqui).

Fim de semana

Um podcast – Israel em 1948, no The Daily.

Uma entrevista – Andrew Wylie (aqui).

Um filme bom até a metade – O Assassino, David Fincher.

Uma leitura teatral – O Dybuk, Casa do povo.

Uma montagem – Escute as Feras, Sesc Ipiranga.

Poesia e cidades

Há muitos modos de um lugar estar presente num poema. Não conheço as gírias, a sintaxe e a prosódia da Baixada Fluminense, onde Bruna Beber nasceu e foi criada, então não sei em que medida as referências a esse português específico são diretas ou misturadas a outras referências em sua nova coletânea, Veludo Rouco (Companhia das Letras, 100 págs.). Mas é certo que aí está o ponto de partida, a matriz para nomear coisas que aconteceram ou poderiam ter acontecido: “Aos sábados batida de coco. Aos domingos/ chupar peixe com pratada de grão de bico”; “No meu sonho todas as casas tinham um pé/ de nêspera, de dia colhia-se manga-espada e/ cajá e crianças roubavam romãs da vizinha”.

Bruna mora há anos em São Paulo, e num dos melhores dos poemas do livro – o que lhe dá título – a linguagem dos tempos de formação passa a ser a do presente no bairro de Santa Cecília, onde somos quase vizinhos. Aqui ela serve para descrever a minha rua, que é longa e tem três nomes: primeiro Lopes de Oliveira, surgida aos pés “do muro que esconde os trilhos cânones/ da Cia. Paulista de Trens Metropolitanos”; depois, basta “uma rifa de batedeira marrom”, e “com um chapéu forrado em organdi” a rua passa a ser Rosa e Silva; mais adiante, por fim, fazendo referência ao edifício frontal no outro extremo, a Rosa e Silva vira Brasilio Machado e termina “nas torres duplas, esdrúxulas do Queen Victoria.”

Quem está mais presente nos versos, São Paulo ou a Baixada Fluminense? Ampliando a pergunta: como separar em Veludo Rouco a paisagem concreta e a maneira como a linguagem de Bruna a reinventa, alternando no desfecho do poema a perspectiva quem narra, num corte da terceira para a primeira pessoa que inclui – como no resto do livro – imagens às vezes misteriosas, sempre sugestivas? “de que mais precisa a Amendoeira Terminália/ para fundir-se de vez ao universo como metal/ e cavalgá-lo, soberba e parada, pelos astros?”; “podem vasculhar com calma as minhas malas/ e, garanto, não há sequer um nécessaire da Varig/ tampouco um dedal; quem deliberou a beleza nasceu/ no lixo assim como eu, ademais todas nós vamos morrer”. 

Trecho de texto sobre os livros Veludo Rouco (Bruna Beber), Quadras Paulistanas (Fabricio Corsalleti), Jardim Botânico (Nuno Ramos) e Jet Lag (Waly Salomão). Publicado no Valor Econômico, 8/9/23. Íntegra aqui.

Fim de semana

Uma exposição – Cao Fei, Pinacoteca.

Um livro – Ellis Island, Georges Perec (Cícrulo de Poemas, 64 págs.).

Outro – Sem Título, de Amilcar de Castro, Flavio Moura (Edusp, 76 págs.).

Uma reprise – Di Cavalcanti, Glauber Rocha (aqui).

Um disco – Lusco-Fusco, Assucena.

O começo e o fim

Mas A Nudez da Cópia Imperfeita não é um texto direto de vingança. Schwartz é um artista, e é como tal que consegue falar do trauma, elaborando-o como um oposto daquilo que seus candidatos a algozes são. Em vez de usar a linguagem literal das acusações, o autor constrói um discurso sem sentido único, feito de fragmentos do noticiário real e de uma realidade inventada, na qual a estrutura do livro – alternando texto, fotografia e ilustração, em gêneros como o relato, o ensaio, a entrevista e o teatro – emula a subjetividade múltipla da memória.

Como no caso da performance do MAM, a experiência estética surge a partir de uma experiência física. Tudo começa e termina no corpo, que seguiu produzindo seus efeitos (os “jatos de ansiedade” ao ter que falar do assunto, por exemplo) enquanto Schwartz estava entregue à fúria da manada. Como expressar isso de um ponto de vista que é e não é particular, é e não é mediado? “Não era a arte que precisava de proteção, era eu. Mas além de ter que falar com uma voz coletiva, não poderia deixar a arte descer de seu estatuto de Arte. Tinha que responder as perguntas como um artista e não como quem sofreu um ataque.”

(…)

A fala de Schwartz vale para a jornada pessoal de A Nudez…, e em algum nível se aplica também a O Deserto e a Semente, romance de 1998 que agora sai no Brasil em tradução de Sérgio Molina (Companhia das Letras, 230 págs.). Nessa pequena joia do argentino Jorge Baron Biza, o sofrimento em si não sustenta nada: de novo é preciso usar recursos estéticos, reinventando um fato biográfico baseado numa agressão.

Trechos de texto sobre os livros A Nudez da Cópia Imperfeita e O Deserto e a Semente, publicado no Valor Econômico em 3/11/23. Íntegra aqui.