Michel Laub

Mês: novembro, 2011

Links

(@michellaub):

– Boris Fausto sobre a biografia de Salazar: http://migre.me/5ZY3L

– Prédios históricos de SP demolidos no Século 20: http://migre.me/5ZYaG, via @eduardosterzi

– Cartões postais antigos com fotos de lutadores europeus: http://migre.me/5ZYw9

– Imagens coloridas do Japão, anos 1920: http://migre.me/5ZY7J, via@cydlos

– Música brasileira e o conceito de brega: http://migre.me/66mGC

– Aprendizado e ignorância na era da internet: http://migre.me/66n6w, via @cabrapreta

– Moby Dick e Daniele Del Giudice por Almir de Freitas: http://migre.me/66mJK + http://migre.me/66mIV

– Perry Anderson sobre vida e livros de García Márquez e Vargas Llosa: http://migre.me/66mCi

– Wolverine por Rafael Grampá: http://bit.ly/rv2YrM

– Bebês estranhos em pinturas da Renascença: http://migre.me/6djqb

Fim de semana

Uma série – Frozen planet, BBC.

Um pastel clássico – Lancheria do Parque, Porto Alegre.

Uma edição – História do cabelo, Alan Pauls (Cosac Naify, 168 págs.)

Outra edição – Asterios Polyp, David Mazzucchelli (Companhia das Letras, 344 págs.).

Mais outra edição – Aquilae non gerunt columbas, Alexandre Rodrigues (Não Editora, 16 págs.).

Um disco remasterizado – Exile on Main St, Rolling Stones.

Um jantar em Paris

Daniela Pinheiro em reportagem sobre Antônio Carlos de Almeida, o Kakay, advogado que atua em Brasília, na Piauí:

“O grupo queria jantar no restaurante Les Ombres, onde se recomenda fazer reserva com semanas de antecedência. Telefonou-se e confirmou-se que o restaurante estava lotado. Passaram-se dez minutos, Kakay desapareceu brevemente, voltou e comunicou a todos: ‘Temos reservas para as 10 horas no Les Ombres.’ Em seguida, ofereceu o telefone da pessoa que lhe arruma uma mesa a qualquer hora em qualquer restaurante da cidade.

No telhado do Quai Branly, o Les Ombres é uma caixa de vidro que faz com que a Torre Eiffel pareça estar dentro do salão. Kakay prevenira os amigos de que levaria um cliente para o jantar. Era o libanês Samir Traboulsi, que é considerado um dos maiores colecionadores de arte moderna da Europa. Ele também é conselheiro de grandes grupos industriais, sobretudo na área de telefonia móvel (…). Segundo Kakay, Traboulsi lhe apresentara ‘dois bons clientes’ e se mostrara interessado em conhecer alguns empresários brasileiros. ‘Hoje, esse pessoal quer interlocução com as empresas, não com o governo”, disse. ‘Se eu puder, eu apresento, não me custa nada, mas não quero me meter com isso, não.’ Contou que, uma vez, apresentou dois empresários que fecharam um grande negócio. Seu irmão achava que ele deveria ter ganho ‘pelo menos 5 milhões’ pela conexão. ‘Eu não faço’, ele disse. ‘Porque, se apresentando uma pessoa você ganha isso, na terceira vez você está rico. E aí perde o rumo na vida. Eu quero e gosto de advogar.’

Samir Traboulsi reclamou do serviço, do vinho, do restaurante – ‘armadilha para turistas’ – e de ser atendido por um garçom negro. Kakay estava constrangido. Ao longo da conversa, o milionário falou sobre suas casas em Paris, Londres e Monte Carlo, onde ofereceu um jantar para Paulo e Sylvia Maluf anos atrás. Segundo ele, o casal só ficava olhando para o relógio esperando a hora de ir para o cassino, dispensou o Château Lafite que ele havia escolhido e exigiu Château Pétrus. Kakay mencionou-me ter um amigo que só toma Pétrus. ‘Uma vez, jantamos em três e a conta foi de 120 mil reais, acredita?’.”

Egopress

1) Nesta quarta, 23/11, estarei na Vereda Literária, em Porto Alegre, para um debate com Cíntia Moscovich e Juarez Cruz (Palavraria, 19h30).

2) Aqui, depoimento em vídeo que dei para o Itaú Cultural.

Fim de semana

Um restaurante – Chou.

Um documentário em DVD – Cidadão Boilesen, Chaim Litewski.

Um disco – 50 words for snow, Kate Bush.

Um evento – Balada literária.

Um espetáculo na Balada – Sons e furyas.

Uma exposição na Balada – Bel Santana, fotos.

Vila-Matas, ‘O mal de Montano’

(Publicado na Folha de S.Paulo, 2005):

A ideia da literatura como doença não é exatamente novidade na ficção. Personagens como Dom Quixote e Ema Bovary têm seus destinos arruinados por enxergarem a vida como uma extensão idealizada do que leram: aventuras de cavalaria, no primeiro caso, e histórias românticas, no segundo. A diferença do protagonista de O Mal de Montano (Cosac Naify, 328 págs.), romance que deu ao catalão Enrique Vila-Matas os prêmios Heralde e Médicis, é a consciência do próprio desvio: crítico que inicia a trama numa viagem de visita ao filho, Rosário Girondo se angustia ao perceber que seus diálogos são citações, seus atos imitam passagens de clássicos e pessoas ao seu redor lembram criaturas como Hamlet e o Conde Drácula. A “intoxicação literária” pauta seu relacionamento com a mulher, Rosa, e o faz ir a lugares como Chile, Açores e Budapeste.

Impossível não ver no enredo um complemento de Bartleby e Companhia, a obra-prima de Vila-Matas sobre escritores que desistiram do ofício. Se esta era uma história sobre a “elegância de se calar”, como o autor já disse em entrevistas, O Mal de Montano também tem como ponto de partida o silêncio. Não só porque traz um personagem em crise por ter publicado um livro semelhante a Bartleby, mas porque o tormento de Girondo é causado por um excesso de vozes. Todas as convenções já foram usadas, todas as fórmulas já foram descobertas, todas as rupturas já foram promovidas no eterno presente da ficção universal. Quem as sussurra são outros escritores, claro, que em sua época viveram os dilemas de uma atividade desde sempre tirânica e ingrata. Por que sacrificar a vida em nome dela? Que sentido ainda faz praticá-la hoje?

Como todo artista que de alguma maneira bebeu nas fontes do pós-modernismo, Vila-Matas prefere a ironia das perguntas à solenidade das respostas. Sua vítima predileta são as supostas leis de certa ficção contemporânea. Brincando com os cacoetes estilísticos do romance, do ensaio, do diário, da enciclopédia e da autobiografia, O Mal de Montano trata de destruí-las uma a uma: os personagens mentem, os fatos se contradizem, as certezas do leitor acabam se revelando falsas. Rosário Girondo não fala apenas de como é difícil ser original: ele demonstra na prática, e a sua narrativa é o maior exemplo, como se tornou fácil criar ilusões com a linguagem.

Contraditoriamente, à medida que o romance se livra do andamento algo maneirista de seu início, essas ilusões ganham encantamento autônomo. Aí está o talento de Vila-Matas: com humor, transformar o que seria um mero estudo sobre os limites da criação artística numa prova de suas possibilidades ainda vivas. Como o próprio Girondo descobre, respirar literatura pode ser um ato de resistência em um mundo cada vez menos literário. Ato que traz dentro de si a cura para quem escreve sob o espectro do conformismo.

Feriado

Um livro – Escuta só, Alex Ross (Companhia das Letras, 424 págs.).

Um texto pessimista sobre internet, autoria, crítica, etc. – Bernardo Carvalho na Piauí.

Um texto + ou – otimista sobre + ou – os mesmos temas – Sérgio Rodrigues no Todoprosa (aqui).

Um disco ok – Keep you close, Deus.

Um filme ok, mas muito longo – A pele que habito, Pedro Almodóvar.

Uma exposição – Olafur Eliasson.

Dostoiévski, Adorno e outros autores cômicos

(Publicado no blog da Companhia das Letras):

Numa entrevista à Prospect Magazine, em 2010, Martin Amis lamentou o pouco prestígio dos escritores cômicos, ao menos em relação aos seus colegas sérios. É uma queixa comum entre praticantes do gênero e leitores saudáveis, inclusive por aqui: “A literatura brasileira contemporânea e sua irmã, a crítica (…), parecem ter se esquecido por completo da lição de Machado”, escreveu Sérgio Rodrigues em seu blog. “E — num país basicamente absurdo, o que é mais absurdo ainda — tentam empurrar o humor e a ironia para fora de seus domínios, como se fossem recursos estéticos necessariamente menores.”

Amis arrisca algumas explicações para o fenômeno. Uma é que o humor teria algo de “anti-democrático”:  ri-se de alguém ou alguma coisa, o que pressupõe um sentimento de superioridade facilmente relacionado a gênero, classe, etnia ou religião — os tabus, enfim, de uma época asfixiada pelo fetiche da igualdade. Outra é que boa parte dos leitores adultos de hoje foi educada sexualmente com pornografia, a “morte dos sentimentos” cuja característica talvez principal o próprio entrevistado definiu como falta de humor.

A última frase é uma piada, claro, como outras respostas talvez sejam. Nomes como Dostoiévski, Dickens, Tolstói e Flaubert são elogiados por serem “divertidos”, conceito que passaria longe de J.M. Coetzee (“ele não tem talento”) e do “alemão que escreve sem separar parágrafos” (provavelmente Thomas Bernhard, que era holandês/austríaco). Há uma verdade aí, porém: tendemos a achar engraçados — ou prazerosos, outra tradução possível para as palavras de Amis — aqueles textos de que gostamos, mesmo os áridos e trágicos. Tenho um amigo que ri ao comentar os romances de Faulkner. Kafka gargalhava quando lia em voz alta sua obra. Eu mesmo, que não tive uma reação assim com O processo ou O artista da fome, sempre me divirto ao lembrar de seus enredos, ou ao menos da existência do tipo de pessoa capaz de criá-los.

É uma diversão externa ao texto, mas isso é parte da essência da comédia. No recém-traduzido Meus prêmios, de Thomas Bernhard, eu já estava rindo na segunda vez em que apareceu o nome Kleiner Staatspreis no relato O Prêmio Nacional Austríaco de Literatura. Não porque as duas palavras sejam cômicas em si — nenhum leitor desta coluna acha, imagino —, mas porque conheço a obra de Bernhard e pressenti o que aconteceria dali por diante: a repetição delas num ritmo muito particular, num tom que para mim — e sempre ouço a voz do autor ditando o texto que está à minha frente — é o mais debochado possível. Há uma predisposição, uma boa vontade análoga à que temos com piadas contadas por alguém que nos é simpático. E que, se for o caso, se estende a quem nem mesmo está tentando ser engraçado.

Num dos textos de O imitador de vozes, o mesmo Bernhard diz que o segredo do sucesso de um dramaturgo é “escrever tragédias como se fossem comédias, e comédias como se fossem tragédias”. A inversão, outra piada no contexto em que aparece, lembra que nem sempre o humor precisa se anunciar para ser entendido como tal. Eu diria, inclusive, que algumas da vertentes mais nobres do gênero se fundam em situações, discursos e sentimentos que nada parecem ter de humorísticos. Amis considera Tolstói engraçado/divertido por sua “pureza e verdade”. Dá para botar na mesma família — pode-se ler todos a sério ou com alguma ironia — a erudição de Borges, uma certa chatice de Beckett e, bem, o controle e a frieza de J.M. Coetzee.

Talvez haja aí um paralelo com o humor involuntário, que tem menos a ver com seu protagonista/narrador que com o público. Mas diferentemente do humor involuntário tradicional, no qual exercemos nossa condescendência ou sadismo, a diversão de Amis com Dostoiévski, Dickens, Tolstói e Flaubert — ou a de muitos leitores com Kant, Adorno, Evanildo Bechara e vai saber quem mais — tem um sentido generoso. Que homenageia as neuroses, obsessões e idiossincrasias — é delas que rimos, agradecidos — sem as quais acreditamos que um autor nunca escreveria obras tão maravilhosas.

Fim de semana

Uma exposição – americanos + Damien Hirst no Ibirapuera.

Um filme brasileiro – O palhaço, Selton Mello.

Um livro brasileiro – Domingos sem deus, Luiz Ruffato (Record, 112 págs.).

Outro livro brasileiro – A passagem tensa dos corpos, Carlos de Brito e Mello (Companhia das Letras, 256 págs.).

Um lugar para almoçar no centro – Theatro Municipal.

Um show – Pearl Jam.