Cem escritores brasileiros e suas manias quando escrevem (3)
por Michel Laub
Cardoso, autor de Cavernas e concubinas – “Em matéria de métodos, manias e superstições relativas ao ato de A Escrita, confesso que já fui bastante FRESCO nessa vida. Houve época em que achava ADEQUADO o uso de muletas mentais (ref. cit. apetrechos), tais quais CHAPÉU PANAMÁ e MÁSCARA DE BORRACHA – essa não resistiu ao verão cataclísmico de 1999 – e o consumo de DRINKS variados (destaque para minha receita particular de CHOCONHAQUE, preparado com Nescau e vodca). Também passei uns bons seis anos acreditando que, sem uma JANELA pela qual pudesse FITAR o horizonte, nada de importante poderia ser feito, mas desde que me mudei para um prédio sem vista entendi que tudo não passou de MELINDRE infundado, e que nada disso fazia a MENOR diferença para o que ou como eu escrevia. Algo que pode, entretanto, ser citado para que não pareça que sou totalmente REGULAR é o fato de eu necessitar de muita PLACIDEZ quando escrevo, motivo pelo qual SEMPRE escrevo de madrugada e, de preferência, SOZINHO. Uma outra pessoa na sala, mesmo completamente IMÓVEL me tira totalmente a concentração. Ao mesmo tempo, por mais contraditório que seja, necessito de alguma espécie de MOVIMENTO no ambiente, por isso escrevo sempre sentado de frente para uma televisão ligada, quase sempre sem volume. De tempos em tempos, troco de canal.”
Carola Saavedra, autora de Flores azuis – “No início eu era muito metódica para escrever, tinha que ser na parte da manhã, a mesa arrumada, livros e anotações por perto, porta fechada, música de fundo, xícara de café, etc. Hoje em dia as coisas são mais complexas, escrevo quando dá, do jeito que dá. De todo aquele ritual, acho que restou apenas a xícara de café.”
Ivana Arruda Leite, autora de Alameda Santos – “Pra falar a verdade, eu detesto escrever. O meu barato é reescrever, mexer no que já está escrito. O começo de um livro é sempre um sacrifício sem fim. Até porque eu sou do tipo que já tem a história pronta na cabeça antes de escrevê-la. Daí a preguiça. Pra eu me obrigar a ficar umas horinhas na frente do computador é só na base do prêmio e castigo. Eu fico me prometendo coisas. Se eu escrever mais uma hora, eu posso ficar duas no twitter. Ou jogando no computador. Se eu não escrever um capítulo hoje, eu não vou poder sair pra beber. Nesta fase, eu só escrevo de manhã e no meu trabalho. Trabalho de prisioneiro mesmo. Eu só relaxo depois da primeira versão concluída. Aí sim o prazer da escrita aparece e eu escrevo freneticamente de dia, de noite, em qualquer lugar. Se o editor não arranca o livro da minha mão eu mexo nele pro resto da vida.”
Luiz Ruffato, autor de Estive em Lisboa e lembrei de você – “Acordo, de segunda a sexta, invariavelmente, quando não estou viajando, às 6 da manhã, tomo café, leio o jornal, e às 7 começo a trabalhar. Sigo até meio-dia e meia, quando almoço. Não tenho superstições ou manias. Só escrevo em minha casa, em São Paulo, sempre diretamente no computador. As tardes dedico-as a responder mensagens, ir ao banco, resolver questões domésticas. À noite leio e às 10 já estou recolhido à cama.”
Marçal Aquino, autor de Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios – “Escrevo literatura exclusivamente a mão, em cadernos tipo universitário, com caneta macia. Gosto da frase do Kureishi: ‘Escrevo com pau duro e caneta de ponta mole, e não o contrário’. Acho que é por aí. Se houver música, será instrumental, que letras atrapalham nessa hora. O ideal é que eu esteja sozinho e disponha do tempo que precisar, nem que seja uma ilusão.”