Michel Laub

Mês: outubro, 2017

Fim de semana

Um livro – Imunidade, Eula Biss (Todavia, 206 págs.).

Uma exposição de madrugada – The Clock, IMS.

Um filme ok – Blade Runner 2049.

Um filme melhor – Blade Runner 1.

Um disco – Campos Neutrais, Vitor Ramil.

Faulkner e os caipiras de São Paulo e Minas

Paulo Henriques Britto sobre as dificuldades da tradução que fez de O Som e a Fúria, no posfácio da nova edição do romance (Companhia das Letras, 373 págs.):

“Como todas as personagens negras são também pessoas de pouca ou nenhuma instrução formal, seu dialeto pode ser diferenciado do falar das personagens brancas através do uso de marcas que caracterizem o português subpadrão. Em muitos casos, bastou o artifício de marcar o plural apenas no primeiro elemento de um sintagma, uma característica da fala dos brasileiros desprovidos de escolaridade que atravessa todas as fronteiras dialetais: ‘eles vai dizer’, ‘me meter na vida dos branco’ etc. Outros recursos foram empregados, como o uso de indicativo em lugar de subjuntivo (‘quer que eu levanto a persiana um pouquinho?’). Foram evitadas, porém, as marcas fonéticas, tão comuns no inglês, por vários motivos. O primeiro é que, no Brasil, as distorções de pronúncia são tradicionalmente usadas para criar efeito burlesco, com intenção cômica – e na figura digna de Disley [personagem negra do livro] nada há que justifique tal coisa. Outro problema associado (…) é que, em muitos casos, não se pode assinalar uma pronúncia de uma palavra desviante da norma culta brasileira sem ao mesmo tempo criar uma associação com um determinado dialeto geográfico. Não há um modelo de pronúncia subpadrão genericamente brasileiro, que não evoque nenhuma região em particular; e muitos leitores se sentiriam incomodados se Disley e seus descendentes falassem como caipiras de São Paulo ou de Minas Gerais, ou como a gente simples do interior da Bahia ou de Pernambuco. Por fim, se marcássemos fortemente todas as falas em black english, seriamos obrigados, por uma questão de coerência, a fazer o mesmo com muitas das dicções de personagens brancas – afinal, a de Jason também contém marcas fonéticas. Mas nesse caso estaríamos frustrando nosso propósito original, que era distinguir as falas dos negros dos brancos (…).

Por definição, o sabor específico do inglês sulista, branco ou negro, que constitui a matéria-prima da prosa de Faulkner, é algo que não pode existir fora do inglês – mais ainda, fora do inglês norte-americano. As associações que se fazem entre uma determinada expressão, forma sintática ou pronúncia, de um lado, e uma região geográfica e um momento histórico, de outro, são restritas ao universo mental dos falantes daquele idioma, e seria tão inviável reproduzi-as numa língua estrangeira quanto seria recriar os efeitos de instrumentação de uma peça sinfônica numa transcrição para piano (…). Mas se a obra conseguiu o reconhecimento internacional que hoje tem, e se ela fascinou tantos leitores em versões traduzidas para os mais variados idiomas, é porque há nela muito além de uma utilização brilhante de variantes dialetais.”

Fim de semana

Uma exposição – Robert Frank no IMS.

Outra – Kohei Nawa na Japan House.

Um posfácio – Paulo Henriques Britto na nova edição de O Som e a Fúria (Companhia das Letras, 376 págs.).

Uma peça – Ala dos Criados, Mauricio Kartum.

Um disco – Pleasure, Feist.

Egopress

– Nesta sexta, 6/10, às 19h, estarei numa das mesas da Jornada de Literatura de Passo Fundo/RS, com Débora Ferraz, Julián Fuks, Mario Corso e Mário Rodrigues.

– Na sequência, em Porto Alegre, visitarei os colégios Farroupilha (9/10, 10h30), Anchieta (9/10, 16h), Rosário (10/10, 10h) e Israelita (11/10, 10h30) para falar do Diário da Queda.

O Tribunal da Quinta-Feira é um dos finalistas do prêmio Jabuti. O livro também é finalista do São Paulo de Literatura e semifinalista do Oceanos.