Fim de semana
Um museu – Inhotim.
Um restaurante em BH – Xapuri.
Um disco – Love comes close, Cold Cave.
Um ensaio – Geoff Dyer sobre ser filho único, na Serrote.
Outro ensaio (tirando as legendas) – Kate Moss na Vogue.
Um museu – Inhotim.
Um restaurante em BH – Xapuri.
Um disco – Love comes close, Cold Cave.
Um ensaio – Geoff Dyer sobre ser filho único, na Serrote.
Outro ensaio (tirando as legendas) – Kate Moss na Vogue.
(Publicado no blog da Companhia das Letras):
Não gosto de clichês, como imagino que ninguém goste, mas não acho que eles sejam um pecado irredimível na literatura. Além de ter como base uma sabedoria cristalizada, cujo peso moral pode compensar a fraqueza estética, é sempre possível usá-los de maneira renovada — como paródia, ironia, homenagem ou procedimento do gênero. Um contista como Dalton Trevisan, que muitas vezes extrai sua força da torção ou inversão de frases gastas e literatices, está aí para comprovar.
Se o clichê aproveita uma forma banal para transmitir ideias que podem ser complexas, o jargão faz o contrário: ele esconde a obviedade num invólucro que se anuncia como raro, cujo entendimento é restrito a um grupo — médicos, advogados, acadêmicos, executivos de corporação — e funciona como código de poder. Mesmo assim, e um autor como David Foster Wallace é a prova agora, essa espécie de corrupção da linguagem pode ser o grande achado de uma história, dando a um narrador uma especificidade que abrange tanto categorias externas — sociologia, psicologia — quanto atributos narrativos — verossimilhança, ritmo, humor.
O uso do clichê e do jargão é apenas um exemplo da subjetividade intrínseca a qualquer julgamento literário. Por isso soam ingênuas as interdições peremptórias a esse tipo de recurso e, numa esfera mais ampla, a uma série de assuntos e técnicas ficcionais. Protagonistas escritores, favela como cenário, personagens de meia idade em crise pessoal, prosa concisa ou caudalosa, livro dentro do livro, histórias que dizem mais do que mostram, cenas com bebida e sexo, não há um único desses e de tantos outros itens que já não tenha sido identificado, num tom de quem está acima de qualquer vaidade ou interesse pessoal, evidentemente, com a suposta falta de vigor da atual literatura. O que sempre me ocorre ao ler um veredicto desses é: ok, mas o resultado de tais premissas e escolhas é bom ou ruim, funciona ou não dentro do que se propõe — nas regras que o autor determina, e não o crítico —, e por quê?
Numa entrevista para a extinta revista Entre Livros, perguntei a Bernardo Carvalho se ele identificava algum defeito em seus romances, coisas das quais conscientemente tentava fugir. “Só percebi que podia escrever pra valer”, foi a resposta, “no dia em que entendi que os meus defeitos (o que seria defeito, segundo uma norma geral) eram, no fundo, as minhas qualidades. Os seus limites são o seu estilo. Escrever não é se livrar dos seus defeitos; é vê-los com outros olhos.”
Todo escritor sabe quando encontra uma voz, se um dia tiver a sorte de encontrá-la, e uma das etapas obrigatórias no processo é perceber como é inevitável se chocar com algum aspecto dessa “norma geral”. É claro: se não fosse assim, ele seria apenas mais um a reproduzir o que um mundo tão cheio de autores, livros, narrativas e ideias vive reverberando. Guardadas as proporções devidas, o insight de Bernardo é semelhante ao que, dá para especular, fez Dostoiévski se apegar à sua escrita suja, Henry James insistir nos seus advérbios, Faulkner dar uma banana para qualquer preocupação com a clareza de suas histórias, Thomas Bernhard passar a ver uma estranha originalidade em suas repetições.
Existem os best-sellers de público, com fórmula reconhecível por qualquer leitor com experiência, e os best-sellers de crítica, que se escondem — às vezes por décadas e séculos — entre a chamada “literatura de qualidade”. Por razões que valeriam um texto à parte, no entanto, é sempre possível encontrar em algum ponto deles a prova de que o escritor capitulou — em termos ideológicos, morais e técnicos, por falta de talento, esforço ou coragem — ao o pior dos clichês, que é o do imaginário comum de uma época. Ou seja, aquilo que os outros, incluindo a crítica, esperam que digamos. Quando tudo o que deveríamos perseguir é aquilo que, usando meios que podem parecer os menos literários possíveis, queremos e precisamos dizer.
Um filme – Amor?, João Jardim.
Um disco – Whokill, tUnE-YaRdS.
Uma empada de R$ 13 – Las Chicas.
Um vazio de R$ 95 – 348.
Uma mostra – Tomie Ohtake no Tomie Ohtake.
Um livro para reler – Os meninos da rua Paulo, Ferenc Molnár (Cosac Naify, 256 págs.).
Na próxima segunda, das 19h às 20h, na Livraria Cultura/Cia Letras do Conjunto Nacional, SP, o tema do Clube de Leitura Penguin-Companhia das Letras é Diário da queda (infelizmente não poderei ir).
– Faulkner, Hitchcock, Leonard Cohen e outros datilografando: http://bit.ly/hovWwP, via @alexandrerodrig
– Sobre relativismo e a ‘ditadura dos sentimentos’: http://tinyurl.com/42dpjfk
– Veteranos de guerra num hospital psiquiátrico, Carabaque: http://tinyurl.com/3ewocl8
– Navios afundados, tanques e trens, estátuas submarinas: recifes artificiais. http://tinyurl.com/3fybzku
– Ilustrações de Hugh Thomson, 1860—1920: http://tinyurl.com/66g3zv2, via @lordass
– Beckett em desenhos de David Levine: http://bit.ly/eW6vHH, via @lsarmatz
– Tim Burton, Frank Gehry, T.C. Boyle e outros falam sobre métodos e ideias que inspiraram suas obras: http://bit.ly/ifbYNC
– Martin Amis como o personagem Martin Amis numa encenação literal de ‘Money’: http://bit.ly/e0S7Jr
– Gotas caindo na água e outros líquidos: http://bit.ly/fVoIoX
– Povo calculando imposto: http://slate.me/h4TL6I
Um texto – Persio Arida sobre sua prisão e tortura, na Piauí.
Um filme para sair com 20 minutos – A última estação.
Um call center que não aceita atestado de óbito como prova de morte – Terra.
Uma empresa de telefonia cujas lojas não têm telefone – Claro.
Um restaurante em Buenos Aires – Nacional, San Telmo.
Um disco – Mare, Julian Lynch.
Uma exposição – Sofia Borges, galeria Virgilio.
Javier Marías em Coração tão branco (Companhia de Bolso, 272 págs., tradução de Eduardo Brandão):
“Já na viagem de núpcias era como se houvesse sido perdido e não existisse o futuro abstrato, que é o que importa, porque o presente não o pode tingir nem assimilar. Essa mudança, pois, obriga a que nada continue a ser como até então, e mais ainda se, como costuma acontecer, a mudança foi precedida e anunciada por um esforço comum, cuja principal manifestação visível é a artificiosa preparação de uma casa comum, uma casa que não existia nem para um nem para outro, mas que deve ser inaugurada pelos dois, artificiosamente. Nesse mesmo costume ou na prática, muito difundida pelo que sei, está a prova de que na realidade, ao contrair, os dois contraentes estão se exigindo uma mútua abolição ou aniquilamento, a abolição daquele que cada um era e pelo qual cada um se apaixonou ou de quem talvez tenha visto as vantagens, já que nem sempre há um apaixonamento prévio, às vezes é posterior e às vezes não ocorre nem depois nem antes. Não pode ocorrer. O aniquilamento de cada um, daquele que se conheceu, se freqüentou e que se quis, traz consigo o desaparecimento das respectivas casas, ou nela fica simbolizado. De tal maneira que duas pessoas que tinham o costume de ser cada uma por sua conta e estar num lugar cada uma, acordar só e frequentamente também se deitar só, se encontram de repente artificialmente unidas em seu sono e em seu despertar, em seus passos pelas ruas semivazias em direção única ou subindo juntos pelo elevador, não mais um de visita e o outro como anfitrião, não mais um indo buscar o outro ou este descendo para ir encontrar-se com aquele que espera no carro ou a bordo de um táxi, mas ambos sem escolha, com aposentos, elevador e portão que não pertenciam a ninguém e agora são dos dois, com um travesseiro comum pelo qual se verão obrigados a brigar em sonhos e a partir do qual, como o doente, também acabarão vendo o mundo.”
1) Nesta quinta, 14/4, no espaço B_arco, inicia meu curso de escrita ficcional.
2) Na sexta, 15/4, às 19h, estarei num encontro de escritores brasileiros e espanhóis no Instituto Cervantes, em São Paulo. André Sant’Anna, Cristóvão Tezza, Elvira Vigna, Joca Reiners Terron e Silviano Santiago, entre outros, participam do evento, que acontece também no Rio, em Belo Horizonte e em Brasília. Programação completa aqui.
3) A pedido da Josélia Aguiar, que está publicando uma série em seu blog, fiz uma lista de 10 livros essenciais.
Um livro – Como funciona a ficção, James Wood (Cosac Naify, 232 págs.).
Um disco – Meus dias 13, Lulina.
Uma peça (mas já saiu de cartaz) – Escuro, Leonardo Moreira.
Uma exposição – Leonilson, Itaú Cultural.
Um restaurante – Tanger.
Um filme ok – Vips, Toniko Melo.
(@michellaub):
– Stills com títulos de filmes dos anos 1920 aos 2010: http://tinyurl.com/296929y
– Casais entediados: http://tinyurl.com/6yn2vlw
– John Le Carre dá sua última entrevista: http://migre.me/41hW9
– Minutos finais do voo JAL123, que matou 520 em 1985: http://tinyurl.com/2alw9o8
– Negros no Brooklyn: http://tinyurl.com/492paly
– Estantes de livros: http://bit.ly/fz9Fye
– Cinemas/teatros abandonados: http://tinyurl.com/44wlxeh, via Tereza Novaes
– Barcos russos abandonados: http://tinyurl.com/65g8voz, via @espingarda
– Como eram os títulos originais de Lolita, 1984, Complexo de Portnoy e outros: http://migre.me/41hFE, via @_jag
(@michellaub):
– Fotos de adultos X fotos de crianças: http://tinyurl.com/5s8c3z2
– Americanos soltando foguetes, 1970: http://tinyurl.com/4ffgtsy
– Caça turística e esportiva na África subsaariana: http://tinyurl.com/3ob327a
– O número Pi transformado em música: http://bit.ly/guJ67T, via @alexandrerodrig
– Caetano Galindo sobre como é traduzir Ulisses: http://is.gd/0Tuq4U
– O tsunami segundo artistas gráficos: http://cfsl.net/tsunami/, via @eduardonasi @bramatti @laetitiaborgea
– Brian De Palma filma um vernissage no MoMa, 1966: http://tinyurl.com/64pfq4s, via @ricardolombardi
– Homônimos de presidentes dos EUA em poses históricas: http://tinyurl.com/6jxa85k
– Como a noção de infância (e de literatura para crianças) mudou com os séculos: http://tinyurl.com/6fh8h5w
(Publicado no blog da Companhia das Letras):
Há muitas maneiras de responder à pergunta eterna sobre por que se escreve. Uma das mais curiosas defende que é para trazer ao mundo os livros que estão faltando ou, numa interpretação menos pretensiosa, aqueles que o próprio escritor gostaria de ler. É interessante imaginar que Melville nunca tenha encontrado um romance decente sobre baleias, ou que Tolstói cansou de esperar por uma história verdadeiramente grandiosa sobre a Rússia na época de Napoleão, e que isso os motivou a suprir as lacunas com Moby Dick e Guerra e paz.
Embora curiosa, a resposta — como quase todas do gênero — é provavelmente falsa. Antes de mais nada, por uma obviedade: o escritor nunca lerá a si mesmo de forma inocente. Parte do interesse, do encanto e do prazer de um livro está em descobrir o que acontece ao longo das páginas, as viradas de trama, a sorte dos personagens, os sentimentos e mundos que se revelam. A leitura ideal é aquela em que saímos diferentes de como entramos, e essa é uma experiência inacessível a quem produziu o texto.
Só que as coisas são um pouco mais complexas. Não dá para desprezar, também, um fato igualmente óbvio: em literatura, há uma distância enorme entre intenção e resultado. Por mais que saibamos o que pretendemos comunicar num capítulo, num parágrafo ou numa frase, é só depois que esse capítulo, parágrafo ou frase está na tela ou no papel que podemos ter noção do seu real significado e eficiência.
Em As cidades invisíveis, de Italo Calvino, romance em que Marco Polo descreve para Kublai Kahn as dezenas de lugares onde esteve, há uma passagem em que o imperador pergunta por que os dois nunca trataram de Veneza. Marco Polo responde que deseja manter ilimitada a ideia que tem de sua cidade natal, e que se falasse dela diretamente estaria “cancelando as margens da memória”. Ou seja: como ao contar um sonho, que não obedece a nenhuma regra narrativa temporal, espacial ou lógica, as lembranças e emoções que tivemos durante a noite passam a ser apenas as palavras lineares e racionais que usamos para defini-las pela manhã.
Poucas metáforas são tão precisas para ilustrar a natureza da escrita. Ela reduz o universo muitas vezes inesgotável da mente de um indivíduo, o autor, aos limites naturalmente mais estreitos de um instrumento, a linguagem. Por isso que alguém cheio de histórias para contar, ou com uma experiência afetiva rica, ou com uma forma peculiar e inusitada de ver o mundo não necessariamente será um bom escritor. O bom escritor é o que doma a linguagem para que, por meio dela, todos esses atributos apareçam de maneira interessante no papel. O que ela cria, por meio da sonoridade das frases, do ritmo, do tom, do estabelecimento de clímax e anticlímax, entre tantos outros recursos, é sempre autônomo em relação aos elementos — teses, argumentos, emoções — que a precedem.
Eu costumava rir de ficcionistas que diziam que seus personagens “ganharam vida própria”, uma frase de efeito de quem se acredita uma espécie de instrumento mediúnico da Inspiração. Na verdade, a frase é outra boa metáfora, já que parte do processo de escrever um livro pode ser como uma sucessão de testes: você faz o personagem dizer a, dizer b, ir para o lugar x, para o lugar y, e de acordo com o efeito das simulações — o que está funcionando melhor para você como leitor — o destino desse personagem — e sua personalidade, suas motivações, sua índole — acaba sendo definido.
Na prática, é como se o escritor pudesse, sim, ser surpreendido pelo próprio trabalho. O que às vezes é uma recompensa inestimável, mas nem sempre: mesmo que tenhamos passado anos vivendo, chorando e agonizando por causa de um livro, a sensação que temos ao ler suas páginas pode ser a de que outra pessoa as produziu — em geral, claro, alguém menos interessante e divertido, com menos coisas inteligentes e originais a dizer sobre as pessoas e a vida, do que achamos que somos. Ao longo do tempo, a melhor maneira de lidar com essa frustração um tanto inevitável é nos certificarmos de que, nas circunstâncias em que um texto foi escrito, o melhor possível foi feito. Nos limites do nosso talento, técnica, experiência, até capacidade física. Mesmo que só percebamos tais limites, como leitores conformados de nós mesmos, em algum dia próximo ou muito longínquo do momento em que o resultado sai da gráfica.
Uma exposição – Paula Rego na Pinacoteca.
Um disco – Toy, David Bowie.
Um lugar de ceviche – Suri.
Um filme ruinzinho – Não me abandone jamais, Mark Romanek.
Um livro – Comer animais, Jonathan S.Foer (Rocco, 319 págs.).