Trecho de Stálin: a corte do czar vermelho, de Simon Sebag Montefiore (Companhia das Letras, 860 págs., tradução de Pedro Maia Soares):
“Stálin retirara-se para seu quarto quando Júkov telefonou para Kuntsevo.
‘Quem é?’, respondeu a voz sonolenta do general NKGB.
‘Júkov, chefe do Estado-Maior. Por favor, chame o camarada Stálin. É urgente!’
‘O quê? Agora? O camarada Stálin está dormindo.’
‘Acorde-o imediatamente’, disse Júkov ao oficial de plantão. ‘Os alemães estão bombardeando nossas cidades.’
Houve um silêncio. Júkov esperou pelo que parecia uma eternidade. Ele não era o único que estava tentando relatar a invasão a Stálin, mas os generais continuavam tão petrificados diante do próprio líder quanto dos alemães. Às 4h17 da manhã (horário russo), o comando do mar Negro telefonou a Júkov no Comissariado de Defesa para relatar um enxame de bombardeiros. Às 4h30, a frente ocidental estava na linha, às 4h40, o Báltico estava sob ataque. Por volta da mesma hora, o almirante Kuznietsov recebeu uma ligação de seu comandante em Sebastopol: o bombardeio alemão começara. Kuznietsov telefonou imediatamente para o Kremlin (…). Era para ser um segredo que Stálin morava em Kuntsevo, então o oficial respondeu: ‘O camarada Stálin não está aqui e não sei onde ele está’.
‘Tenho uma mensagem de extrema importância que devo transmitir com a máxima urgência ao camarada Stálin pessoalmente.’
‘Não posso ajudá-lo de forma alguma’, retrucou o oficial, e desligou. Kuznietsov ligou então para Timochenko, que, inundado por telefonemas, estava com medo de informar Stálin. Kuznietsov tentou todos os números de Stálin que possuía, mas sem sucesso, telefonou ao Kremlin de novo.
‘Solicito que informe ao camarada Stálin que aviões alemães estão bombardeando Sebastopol. É a guerra!’
‘Informarei à pessoa apropriada’. Alguns minutos depois, o almirante descobriu quem era essa ‘pessoa apropriada’: o fraco e de fala mansa Melenkov telefonou-lhe, perguntando com ‘voz insatisfeita e irritada’: ‘Você percebe o que está relatando?’ (…). Malenkov desligou e telefonou para Sebastopol a fim de conferir a história.
Timochenko não estava sozinho em seu gabinete. Mekhlis, ‘O Tubarão’, passou a noite ao lado dos generais. Tal como Malenkov, estava convencido de que não haveria invasão naquela noite. Quando o chefe de Artilharia antiaérea Vóronov chegou correndo, Timochenko estava tão nervoso que lhe deu uma caderneta e, de modo absurdo, ‘mandou que eu apresentasse meu relatório por escrito’, pois, se todos fossem presos por traição, ele seria responsável por seus crimes. Mekhlis ficou atrás dele e espiou por sobre seus ombros para verificar se estava escrevendo exatamente o que dissera. Depois obrigou-o a assinar o papel. Timochenko ordenou que as forças antiaéreas não reagissem; Vóronov percebeu que ‘ele não acreditava que a guerra havia começado’.
Tomochenko recebeu um telefonema do comandante-adjunto do Distrito Militar Especial Ocidental, Boldin, contando que os alemães estavam avançando. Timochenko mandou que não reagisse.
‘Como assim?’, gritou Boldin. ‘Nossas tropas estão recuando, as cidades estão em chamas, as pessoas estão morrendo…’
‘Ióssif Vissariónovitch acha que isso pode ser uma provocação de alguns generais alemães’. O instinto de Timochenko lhe dizia para persuadir outra pessoa a dar a notícia a Stálin. Perguntou a Budiony: ‘Os alemães estão bombardeando Sebastopol. Devo contar a Stálin ou não?’.
‘Informe-o imediatamente!’
‘Telefone para ele’, suplicou Timochenko. ‘Tenho medo.’
‘Não, você telefona’, retrucou Budiony. ‘Você é o comissário da Defesa!’ Por fim, Budiony concordou e começou a ligar para Kuntsevo. Timochenko, ansioso por dividir as responsabilidades, ordenou que Júkov também telefonasse para Stálin.”
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