Michel Laub

Mês: junho, 2023

Fim de semana

Uma exposição no IMS – Helena Almeida.

Outra – Iole de Freitas.

Um romance brasileiro – O crime do bom nazista, Samir Machado de Machado (Todavia, 128 págs.)

Outro – Vale o que tá escrito, Dan (DBA, 224 págs.).

Uma montagem no Oficina – Mutação de Apoteose, dir. Camila Mota.

Fim de semana

Uma série documental – History of Now, Simon Schama.

Um documentário – Natural History of Destruction, Sergei Losnitza.

Um filme meio safado – Air, Ben Affleck.

Uma conversa – Sofia Nestrovski e Rodrigo Lacerda sobre Shakespeare, 451 MHz.

Um disco – Voice Notes, Yazmin Lacey.

Otimismo nos destroços

Num texto célebre sobre uma pintura de Paul Klee, Walter Benjamin compara a história a um anjo que apenas olha para trás, registrando com impotência os destroços do progresso. A ideia possivelmente inspira um trecho de “Perestroika”, segunda parte da premiada peça Angels in America, de Tony Kushner, no qual um anjo tenta fazer o contrário: congelar ciência, costumes e fluxos migratórios porque isso tudo teria ido “longe demais”, gerando apenas “campos de matança sobre os corpos dos mortos” (Theatre Communications Group, 160 págs.).

Angels in America é de 1991, ano em que seu assunto de fundo – a epidemia de aids nos Estados Unidos – era o mais quente possível, com o número de mortes no auge assim como o estigma em torno das vítimas. Claro que a fala do anjo é irônica, uma utopia regressiva que exacerba o discurso puritano para denunciá-lo, mas a peça é mais complexa do que sugere essa passagem algo panfletária, em cima de um alvo fácil para leitores progressistas. O efeito político obtido por Kushner é, antes de tudo, um efeito de linguagem: ele nasce de uma alternância peculiar de tons, que vão do bíblico ao mundano, do lírico ao cômico de extração gay/judaica.

Nesse sentido, e embora haja todo um panorama de época nas falas de personagens representativos da Nova York dos 1980, o verdadeiro caráter documental do trabalho de Kushner é estético: a coragem, que se tornou tão rara nas décadas seguintes, de não deixar que a arte vire mero instrumento – que perca sua razão de ser ao se confundir com ação social, pregação partidária ou autoajuda, mesmo quando está do lado certo nas guerras da cultura contra a barbárie.

Trecho de texto publicado no Valor Econômico, 2/6/23, sobre Angels in America, Ao Amigo Que Não Me Salvou a Vida (Hervé Guibert) e Meu Irmão, Eu Mesmo (João Silvério Trevisan). Íntegra aqui.

Luz possível

A primeira vez que estive Nova York foi em 1987, e uma lembrança nítida daquela viagem é o aspecto dos vagões no metrô. No período entre a recessão dos 1970 e a política higienista dos anos Giuliani, eles tinham as mesmas pichações que aparecem no filme que assombrou minha adolescência: Warriors (1979), de Walter Hill. Baseado num romance de Sol Yurick, com referências que vão do Kraftewerk a Laranja Mecânica, o enredo fala de uma gangue de Coney Island que atravessa Brooklyn e Manhattan para uma convenção de seus pares no Bronx. Um crime ocorre, os protagonistas são acusados injustamente, então é preciso fazer os 48 quilômetros de volta brigando com delinquentes vestidos de palhaços, dândis, jogadores de beisebol.

Warriors é um filme premonitório, ou influente em sua forma de adaptar à linguagem da época motivos clássicos da distopia urbana. A narrativa com estrutura de videogame, por exemplo, em que obstáculos/inimigos vão sendo vencidos um a um, com perda de vidas pelo caminho, é ligada a certo imaginário masculino – o público majoritário de jogos desde sempre – muito poderoso na cultura de hoje. O mesmo ocorre como o discurso de fundo da trama: um voluntarismo antissistema no qual gangues buscam um poder paralelo ao da polícia e da justiça, enquanto o Estado se degrada por omissão ou má fé.

Passo uns dias em Nova York para comemorar meus 50 anos. No tipo de reflexão que datas assim proporcionam, digo que há muito perdi a ilusão de que a grande história anda rumo às luzes, com as lições negativas do passado se comunicando com atos virtuosos do presente. Em certo sentido, os heróis de Warriors chegaram ao poder, mesmo que os vagões do metrô na Nova York de 2023 sejam limpos, com bandeiras do Estado norte-americano ao lado das portas de entrada. A rebeldia dos personagens do filme contra a autoridade institucional não era emancipatória, digamos, e hoje pode ser vista em todo tipo de fantasia miliciana/fascistóide. E o sentimento tribal que move o enredo, agora chamado de identitário, entrou para o mainstream eleitoral em sua versão mais bruta, virulenta e branca. 

Trecho de texto publicado no Valor Econômico, 20/5/2023. Íntegra aqui.

Fim de semana

Uma exposição em NY – Gego, Guggenheim.

Outra – Wangechi Mutu, New Museum.

Uma Terceira – Jaune Quick-Jones, Whitney.

Um podcast – Daniel Libeskind no Clear + Vivid.

Outro – Guerra dos Seis Dias no História FM.

Fim de semana

Uma montagem em NY – The Sign in Sidney Brunstein’s Window, Anne Kaufman.

Outra – La Bohème.

Uma exposição em NY – Wura Natasha Ogunji, Galeria Fridman.

Outra – Xiyadie, Drawing Center.

Uma edição – Angels in America, Tony Kushner (Theatre Communications Group, 160 págs.).