Michel Laub

Mês: janeiro, 2023

O jorro na varanda

Não lembro muito da primeira vez que li À Procura do Tempo Perdido. Eu tinha uns vinte anos, uma lista de clássicos que me obriguei a conhecer, e com esse impulso enfrentei dois dos sete volumes meio memorialísticos, meio ficcionais que tornaram Marcel Proust um autor inescapável do Século 20. Ficou pouca coisa do enredo e dos personagens, além de uma sensação comum na época: o reconhecimento do valor estético de um texto misturado ao orgulho de cumprir uma tarefa.

Voltei a Proust na virada do ano, aproveitando a nova edição de À Procura… pela Companhia das Letras, numa leitura menos inocente (e inocentemente programática) de Para o Lado de Swann, o primeiro livro da série (432 págs., tradução, introdução e notas de Mario Sergio Conti). Da primeira vez eu tinha mais pretensão que fôlego/repertório para entender as nuances de uma prosa densa, radical em sua ambição totalizante. Agora, a meia idade me faz ver de outro modo a relação entre a psicologia do narrador e um conceito subjetivo de tempo.

Início de texto publicado no Valor Econômico, 13/1/2023. Íntegra aqui.

Fim de semana

Uma exposição no MASP – Judith Lauand.

Outra – Madalena Santos Reinbolt.

Um podcast – Kafka no History of Literature.

Uma reportagem – James Daunt e a Barnes & Noble (aqui).

Um livro – A Água É Uma Máquina do Tempo, Aline Motta (Círculo de Poemas, 144 págs.).

Fim de semana

Um filme – The Banshees of Inisherin, Martin McDonagh.

Um filme com momentos – Ruído Branco, Noah Baumbach.

Um podcast – Revolução iraniana no História FM.

Outro – Gloria Maria no Mano a Mano.

Uma série – Extremistas.br.

Mundos que acabam

“Nós somos jovens e orgulhosos”, escreve o crítico Jason Farago, do New York Times, imaginando o que dizem personagens de uma fotografia de 2001 do alemão Wolfgang Tillmans. Nela há homens gays à porta de um galpão transformado em clube noturno, esperando para viver o que era comum na Berlim do período pós-queda do Muro, pré-11 de Setembro e crise de 2008: “Não há mais controle de fronteiras (…). Nós estamos prontos para dançar e fazer outras coisas no escuro. A festa segue depois do amanhecer, e parece que pode durar para sempre.”

Tillmans acaba de ganhar uma retrospectiva no Moma, To Look Without Fear. É uma homenagem que aponta para o futuro, valorizando ainda mais um artista fundamental da vida urbana europeia das últimas décadas, mas também fala de um mundo que acabou: pessoas que se foram, tecnologias obsoletas, otimismo superado. Como escreve Farago em seu artigo, os 35 anos cobertos pela mostra flagram “a ascensão de um fotógrafo ao topo de seu ofício, e em seguida a desintegração de quase tudo que ele ama”.

(…)

Li o texto de Farago pouco depois de terminar História(s) do Cinema, magnífico poema longo de Jean-Luc Godard lançado agora no Brasil pela Círculo de Poemas (192 págs., tradução de Zéfere). Há um parentesco entre a sugestão de obsolescência da mostra de Tillmans e as considerações explícitas do cineasta franco-suíço. A diferença é que o objeto em desintegração aqui não é a fotografia, e sim sua arte irmã, que também ajudou a moldar o imaginário do século 20.

Godard não está preocupado com cronologia, e sim com as características que tornaram o cinema culturalmente importante – as mesmas que, daria para dizer, hoje o põem em outro tempo e lugar. Há várias menções temáticas no poema –  clássicos sobre sexo, beleza e guerra, dirigidos por nomes que vão de Méliès a Spielberg –, mas tudo é submetido ao mesmo sentido de origem. Que é também um sentido de forma, aqui resumido no tom característico – um pouco solene, um pouco irônico – do autor: “O cinema não faz parte/ da indústria/ da comunicação/ nem da do espetáculo/ mas da indústria de cosméticos/ da indústria das máscaras/ que por sua vez é apenas/ uma pequena sucursal/ da indústria da mentira”.

História(s)… foi escrito nos anos 1990, e é curioso ler trechos assim na era das redes sociais. A indústria das máscaras continua forte como nunca, mas seu setor de ponta – o que dá mais dinheiro aproveitando a tecnologia mais avançada – foi deslocado para o celular. O que restou das velhas salas de projeção, onde multidões pagavam para ver conteúdo não-interativo numa tela grande, são sombras de um (outro) mundo extinto: nele havia “uma margem/ de indefinição” capaz de “negar/ o vazio/ e também o olhar/ do vazio sobre nós”, algo utópico no atual regime de estímulos incessantes.

Trechos de texto publicado no Valor Econômico, 9/12/22. Íntegra aqui.

Fim de semana

Um lugar em SP – Museu das Favelas.

Outro – Museu Catavento.

Uma exposição – Fotógrafas no Museu Judaico.

Um filme – Aftersun, Charlotte Wells.

Uma conversa – Ugo Giorgetti x Inacio Araújo (aqui).