Como escrever sobre o horror
Como escrever sobre o horror? A pergunta atravessa Guerra Aérea e Literatura, livro que reúne palestras dadas pelo ficcionista alemão W.G. Sebald em Zurique, em 1997, tendo como tema os romances produzidos em seu país logo depois do fim do nazismo.
O conjunto forma um ensaio rigoroso, no qual o autor é implacável com a geração que lhe precedeu. Para ele, a literatura alemã dos anos 1940 e 1950 começa a fracassar em virtude de um constrangimento histórico: o sentimento de culpa e humilhação do povo que pouco tempo antes havia posto Hitler no poder. Afinal, o empenho em fazer um retrato honesto de ações como os bombardeios aliados no fim da guerra, que reduziram cidades a pó sem diferenciar alvos civis e militares, poderia se confundir com algum tipo de denúncia relativista – ou, mais grave, de lamento pela sorte do III Reich no conflito.
Mas Sebald vai além da hipótese psicológica. A originalidade de sua tese é relacionar o problema moral com o problema estético: identificar na prosa alemã do período um “gesto de defesa diante da recordação”, como se o “funcionamento continuado da linguagem normal” fosse incompatível com a autenticidade de textos sobre um passado recente e catastrófico. Clichês como “noite fatídica”, “labaredas do céu” e “o diabo estava à solta”, presentes nos testemunhos sobre os bombardeios, chegam à ficção em equivalentes cujo efeito seria “esconder e neutralizar os acontecimentos que extrapolam a capacidade de compreensão” – a saber, as “intermináveis e empoladas abstrações” na velha guarda de escritores que trataram do tema, o “sentimentalismo” e o “queixume” na nova.
Trecho inicial de texto publicado no Valor Econômico, 23-4-21. Íntegra aqui.