Michel Laub

Mês: maio, 2012

Egopress

1. Diário da queda teve os direitos para a língua inglesa comprados pela Harvill Secker/Vintage. O livro também sairá na França, pela Buchet/Chastel.

2. Desde o mês passado sou ‘editor contribuinte’ da seção de cinema da revista Bravo.

3. Aqui, PDF do número dedicado ao tema ‘guerra’ da Revista 18, do CCJ, que ajudei a editar.

Links

– A descoberta de 500 novos contos de fadas: http://goo.gl/jBqKy

– Jared Diamond e a riqueza (ou não) das nações: http://goo.gl/6YvgD

– Física x filosofia na discussão sobre o nada e a origem de tudo: http://goo.gl/OduaM

– Por que cachês e ingressos de shows são caros no Brasil: http://goo.gl/GM4lf

– Tuaregs: http://goo.gl/aXIdh

– Chapéus no turfe: http://goo.gl/qbxGU

– João Gilberto passando o som, 1978: http://goo.gl/uddoi, via @eduardosterzi

Mad men e a ‘regra dos 40 anos’ da nostalgia: http://goo.gl/FIw9A, via @rbressane

– Como se cozinhava na Idade da Pedra, em Roma e na Idade Média: http://goo.gl/xnn4n, via @cabrapreta

– André Conti fala sobre Joyce, Ulysses e sua nova tradução: http://goo.gl/Pgppa (maior foto)

Links

– Entrevista com Rodrigo Teixeira: http://goo.gl/BxRMw

– Mencken sobre O grande Gatsby: http://goo.gl/Vcoep, via @lordass

– Eric Hobsbawm sobre Tony Judt: http://goo.gl/RVRVi, via @Marcelo_Xuxu

– Chico Mattoso (http://goo.gl/VTE41) e Cao Hamburguer (http://goo.gl/SgEQ7) sobre Chris Riera

– Sobre publicidade e ‘criativos’: http://goo.gl/bSanL

– Abstinência alcoólica por Joca Terron: http://goo.gl/7I8yV

– Primeiro campeonato de skate de São Paulo, 1974: http://goo.gl/6m7s1, via @ricardolombardi

– 10 piscinas: http://goo.gl/kXjng, via @carolagonzalez

– Super-heróis em fotos clássicas de guerra: http://goo.gl/KrzAM, via @almirdefreitas

– As cartas de Beckett: http://goo.gl/Wl4Ra

Fim de semana

Uma exposição – Modigliani no Masp.

Um show – Gilberto Gil na Politécnica, 1973.

Uma banda – Human trash.

Uma edição – Bonsai, Alejandro Zambra (Cosac Naify, 64 págs.).

Uma imagem forte – Jaqueta de omelete, Ugues.

Louis-Ferdinand Céline e a humanidade

Trechos de Viagem ao fim da noite, de 1932 (publicado no Brasil pela Companhia das Letras, 506 págs., com tradução de Rosa Freire D’Aguiar):

“No frio da Europa, sob as pudibundas neblinas do Norte, salvo nas matanças apenas suspeitamos da fervilhante crueldade de nossos irmãos, mas a podridão deles invade a superfície assim que os desperta a febre ignóbil dos trópicos. É então que rasgamos a fantasia para valer e que a canalhice triunfa e nos cobre inteiros. É a confissão biológica. Basta que o trabalho e o frio deixem de nos tolher, afrouxem um instante suas tenazes, e se pode perceber nos brancos aquilo que se descobre no alegre litoral quando o mar se retira: a verdade, charcos pesadamente fedorentos , os siris, a carniça, o cagalhão.”

“É assim que a gente deve se habituar a imaginar desde o primeiro contato os homens que vêm nos visitar, os compreendemos bem mais depressa depois disso, distinguimos de imediato em qualquer criatura sua realidade de gigantesco e ávido verme. (…) Nu em pelo, só resta em resumo diante de nós um pobre saco vazio pretensioso e cheio de si que se esforça em tartamudear inutilmente num gênero ou noutro. Nada resiste a essa prova (…). Sobram apenas as ideias, e as ideias nunca amedrontam. Com elas nada está perdido, tudo se ajeita. Ao passo que às vezes é difícil suportar o prestígio de um homem vestido. Ele guarda cheiros repugnantes e mistérios bem no meio de suas roupas.”

“Por mais que se faça escorregamos, recaímos no álcool que conserva os vivos e os mortos, não chegamos a nada. Está mais do que provado. E há tantos séculos que podemos olhar nossos animais nascerem, sofrerem e morrerem diante de nós sem nunca (…) [ter acontecido a eles] nada de extraordinário a não ser recomeçarem sem parar a mesma insípida falência no ponto onde tantos outros animais a deixaram (…). Vagas incessantes de seres inúteis vêm do fundo das eras morrer permanentemente diante de nós, e no entanto ficamos ali, a esperar coisas… nem mesmo para pensar a morte a gente presta.”

“A gente fica pensando como que no dia seguinte vai encontrar força suficiente para continuar a fazer o que fizemos na véspera e já há tanto tempo, onde é que encontraremos força para essas providências imbecis, esses mil projetos que não levam a nada, essas tentativas para sair da opressiva necessidade, tentativas que sempre abortam, e todas elas para que a gente se convença uma vez mais que o destino é invencível, que é preciso cair bem embaixo da muralha, toda noite, com a angústia desse dia seguinte, sempre mais precário, mais sórdido.”

“Temos de dizer sim a essa cuidadosa e lenta caricatura burilada (..). Aceitar o tempo, esse quadro de nós. Podemos então dizer que nos reconhecemos inteiramente (como uma nota de dinheiro estrangeira que hesitamos em pegar à primeira vista), que não nos enganamos de caminho, que de fato seguimos a verdadeira estrada (…), a estrada da podridão”

Fim de semana

Um romance – O mapa e o território, Michel Houellebecq (Record, 400 págs.).

Uma memória – Marcos Azambuja sobre a Eco-92 na Piauí.

Um mexicano – Hecho en Mexico.

Uma exposição – Lasar Segall no CCJ.

Um show – Thee butchers orchestra.

‘A guardiã do farol’, de Jeanette Winterson

Publicado na Folha de S.Paulo, 2009:

Jeanette Winterson é uma das mais conhecidas escritoras inglesas surgidas nos anos 1980. Seus livros foram traduzidos para vinte e oito países, entre os prêmios que ganhou está o E.M. Foster Award, e uma busca rápida na internet é capaz de listar elogios a ela de nomes como Gore Vidal e Muriel Spark. E, no entanto, a primeira dúvida que surge de A guardiã do farol (Record, 224 págs.) diz respeito a um fundamento básico da literatura: a prosa.

Logo no parágrafo inicial há uma frase que poderia resumi-la, quando a narradora, uma órfã criada pelo guarda do farol de um vilarejo na costa escocesa, fala do pai biológico, um marinheiro que não chegou a conhecer: “Um rombo no casco o deixou em terra o tempo suficiente para lançar âncora dentro de minha mãe”. Ou seja, o leitor já começa se perguntando se as imagens do texto – pensemos na “âncora”, ou nos “cardumes de bebês” que “competiram pela vida” e foram derrotados pela protagonista depois da concepção  – têm alguma força sugestiva ou são diluições na fronteira do kitsch.

Não é só um preciosismo de estilo: embora a narrativa seja em primeira pessoa, recurso que pode servir de desculpa para todo tipo de barbeiragem dramática, psicológica ou de linguagem – como se as incoerências e banalidades se devessem ao personagem, e não ao autor –, o efeito óbvio da prosa frouxa é que não acreditamos no que estamos lendo. O dilema é irônico pelo fato de que um dos assuntos do romance é justamente a permanência das histórias, seu poder de convencimento, a forma como suas verdades e mentiras influenciam a vida de alguém como a protagonista.

Para complicar ainda mais a crítica, o registro de Winterson também é oscilante, entre realismo, lenda e fábula, e nessa ambiguidade é difícil dizer se determinadas frases – “ninguém sabe o que acontece no fim da jornada”, “todo recomeço provoca um retorno”, “talvez todas as histórias mereçam ser ouvidas, mas nem todas merecem ser contadas” – trazem algum significado duplo, adequado a um certo tom mítico que fala de situações atemporais, arquetípicas, ou são apenas o que aparentam – lugares-comuns, solenidade vazia.

Infelizmente a segunda opção é mais provável, talvez porque em outros atributos, como o ritmo, os créditos da autora aos poucos vão se esgotando. A guardiã do farol tem tramas paralelas envolvendo o guarda, um pregador religioso e até figuras como Charles Darwin e Robert Louis Stevenson, mas toda vez que começamos a nos envolver com alguma delas o andamento é interrompido por uma digressão sobre o amor, o tempo ou mesmo por novos capítulos com nomes como A porta era o corpo dele, O mistério de Pew era o próprio mercúrio ou Foi nosso último dia como nós mesmos.

Se em alguns trechos a tentativa de lirismo consegue funcionar, e aí Winterson até justifica a celebração em torno de seu nome, a irregularidade geral impede que o romance vá muito além desses “pontos conhecidos na escuridão” – para ficarmos com outra de suas imagens não particularmente entusiasmantes.

Fim de semana

Um show – Mogwai.

Um disco – Drokk, Geoff Barrow e Ben Salisbury.

Um filme mais ou menos – Violeta foi para o céu, Andrew Wood.

Outro – Carnage, Roman Polanski.

Uma HQ – O gosto do cloro, Bastien Vivès (Barba Negra, 144 págs.).

Gênios que nunca escreveram

Publicado no blog da Companhia das Letras:

“Nesta geração, é visível que as gentes que escrevem melhor não escrevem livros. Escrevem blogues durante uma época, fazem umas graças, depois talvez twitter. Depois param de escrever, ou gastam o talento em jornalismo ou outras coisas abaixo deles”. A opinião é de Alexandre Soares Silva, ele mesmo um escritor muito bom e engraçado, e segue num tom talvez a sério, talvez não, provavelmente as duas coisas: “Entendi que sempre deve ter sido assim: que no mundo sempre houve Goethes que escreveram um soneto ou dois, que mostraram para os amigos e depois foram fazer outra coisa (…). Flauberts que não se deram ao trabalho de escrever um livro, porque acharam a busca pela glória uma boçalidade.”

Desde o início do ano estou tentando iniciar um romance, e numa coisa concordo com os tipos descritos por Alexandre: o universo se expande, o tempo é ilusório e tudo é triste, e diante disso é penoso se dedicar a uma luta que sempre tem algo de ridículo. Só que o argumento da escolha, do talento que só não se concretiza por falta de vontade, tem algo de idealizado. Primeiro porque a literatura — óbvio — só existe no mundo concreto. Num outro contexto, Lacan declarou que pensava com os pés. Um escritor pensa/cria com os dedos, durante a digitação ou caligrafia de algo que ele acha que já conhece, mas cujo resultado não conta com nenhuma garantia anterior e em geral é diverso do que se espera. O Flaubert que nunca escreveu poderia ser o Fangio que nunca pilotou — jamais saberemos, e por isso não tem importância.

O segundo motivo é que o conceito de “escrever bem” — óbvio igualmente — é um tanto variável. As exigências da ficção são atenuadas num formato menor e menos imaginativo, como uma reportagem, um post ou um tuíte. Aos últimos pode bastar repertório, esperteza ou humor, enquanto quem pratica a primeira está entregue à imensidão tediosa que deve ser preenchida parágrafo a parágrafo, capítulo a capítulo num calvário de bloqueio e angústia. Para um tuiteiro ou jornalista, a tarefa é encontrar as palavras certas para exprimir uma ideia que já está cristalizada, polir ou não atrapalhar sua expressão. Já para um ficcionista a ideia é só um primeiro passo. É preciso ter fôlego, técnica, paciência, concentração e sorte de ver a faísca inicial — na melhor hipótese, uma sinopse longa ou um caderno cheio de anotações sobre personagens e cenas — se transformar numa narrativa autônoma, que obedece a convenções particulares e é julgada segundo critérios não aplicáveis a qualquer texto.

Considerar o segundo caso uma extensão bem-sucedida do primeiro, portanto, e sem entrar no mérito sobre qual é mais relevante diante da eternidade indiferente, é discutível. Idem a visão do que é glória: ao tuiteiro/jornalista/frasista basta querer participar do chamado debate público, e o talento tornará a tarefa relativamente fácil. Se há analogia mais próxima da inspiração romântica que pouco depende de trabalho, algo normalmente associado a artistas, é essa. E se há exemplo melhor de busca por sucesso cintilante, certamente não é o do autor que passa anos enfrentando suas 300 páginas em branco — para ao final ser lido por meia dúzia, e quem sabe elogiado por outra meia dúzia em meia dúzia de textos que serão esquecidos em meia dúzia de dias. Um caminho digno e quixotesco, que o próprio Alexandre descreve no que soa como ironia carinhosa: “Ponham-se à prova contra as gerações que os precederam, ao invés de ficar do lado de fora do ringue, comendo mendoratos.”

Olhando bem, é uma ambição contraditória, que se mistura com a humildade da espera e a necessidade de eventualmente se rebaixar: como regra geral, válida para a maioria das obras fora dos domínios da sátira e gêneros correlatos, um ficcionista precisa estar no nível de seus personagens — incluindo suas limitações de linguagem, intelecto e charme — para gerar autenticidade e empatia. Tente achar um tuiteiro/jornalista/frasista que abra mão de parecer esperto e informado. Tente achar um desses talentos literários em potencial que aceite a aleatoriedade (e o vazio) do sucesso e do fracasso. A diferença, que talvez seja a origem da vocação genuína de um escritor, conceito que passa longe do que ele pensa que é e de onde pensa que pode chegar, começa por aí.

Fim de semana

Um conto – Em português brasileiro, Kenzaburo Oe.

Outro Encontro no Amazonas, Rubem Fonseca.

Um barqueiro em Manaus – Seu Arnoldo.

Um restaurante em Manaus – Canto da Peixada.

Um bar para tropeçar na viga e cair de cara na laje – Porão do Alemão.

‘Cães Heróis’, de Mario Bellatin

Quarta capa que escrevi para a edição brasileira do livro (Cosac Naify, 126 págs., tradução de Joca Wolff):

Um homem inválido mora com trinta pastores belga malinois prontos para “matar quem quer que seja com uma única mordida na jugular”. Seu enfermeiro-treinador, com quem tem uma relação pervertida de autoridade, consola-o com massagens na perna, enquanto a mãe e a irmã do protagonista se dedicam a um trabalho obscuro de classificação de sacolas plásticas vazias.

Estamos no universo por excelência de Mario Bellatin: na estranheza e intensidade deste romance breve, no qual as entrelinhas e espaços em branco complementam os blocos narrativos, o leitor é guiado pelo arsenal de recursos de um dos mais inclassificáveis escritores contemporâneos. Seus cortes abruptos, elipses e metáforas misteriosas, uma delas aproximando a atmosfera do quarto onde se passa boa parte da história com o “futuro da América Latina”, manejam a contraposição entre uma superfície de frieza e automatismo e uma nota subterrânea de emoção. Que carrega em si desespero, já que em cada linha sentimos a presença da dor, da violência e de uma falta geral de sentido, mas também certo humor que se alimenta da claustrofobia e da obsessão.