Michel Laub

Mês: março, 2023

Fim de semana

Um ensaio – Olga Tokarczuk sobre narradores sensíveis (em Escrever é Muito Perigoso, Todavia, 264 págs.).

Outro – Juliana Cunha sobre perigos da leitura (aqui).

Um terceiro – Stephen Marche sobre escritores e fracasso (aqui)

Um curso – José Miguel Wisnik sobre contos morais.

Um filme simpático – The Man who Saved the Game, Austin e Meredith Bragg.

Poesia em pó

Uma língua varia muito de país para país onde é falada. A região x de uma cidade não usa as gírias da região y. Taxistas não se expressam como advogados, adultos não entendem coisas que adolescentes dizem. No limite, lembra o escritor, tradutor e professor curitibano Caetano Galindo, referindo-se ao que a linguística chama de idioleto, “cada pessoa fala uma versão singular do idioma.”

A frase faz parte de Latim em Pó, ótimo livro de divulgação que resume a longa história do português que usamos no dia-a-dia (Companhia das Letas, 228 págs.). Galindo passa por Europa, África e Américas, dando conta das influências, adaptações e controvérsias em torno do idioma que nasceu do galego, que veio do latim da região do Lácio, que herdou resquícios do protoindo-europeu (origem também do grego e do sânscrito).

Há muitas passagens curiosas no texto. Por exemplo, sobre a trajetória cultural/política de certas palavras e marcos de prosódia. “Esquerdo”, que parece o basco “ezker”, surge de uma substituição que é comum em termos contaminados pelo tabu, desviando o caminho que entre nós daria no latino “sinistro”. Já o “rótico retroflexo”, ou erre caipira, é fruto da urbanização brasileira e seus intercâmbios com a cultura rural de migrantes, ou da força econômica de fenômenos recentes como o agro – uma expressão que dominou outras normas regionais até chegar à fala de rappers e filhos da classe média nas cidades.

É a ideia do idioleto, contudo, que pego emprestada nesta coluna cujo objeto é literário. Um dos paradoxos da língua, com todas as voltas milagrosas que nos faz vivermos mediados por ela em sociedade, é que num nível muito essencial a comunicação entre emissor e receptor nunca será completa. Algo ainda mais visível em gêneros onde o detalhe é decisivo, como a poesia: aqui tudo é submetido ao que Tom Zé chama de “unimultiplicidade”, condição em que “cada homem é sozinho/ a casa da humanidade”.

Trecho de texto publicado no Valor Econômico, 25-2-23, sobre Caetano Galindo e o novo romance de JM Coetzee, O Polaco. Íntegra aqui.

Fim de semana

Uma exposição no Rio – Miguel Rio Branco, IMS.

Uma em SP – Adriel Visoto, Verve.

Uma série de fotos – Tina Barney (aqui).

Um livro – A Máquina do Caos, Max Fisher (Todavia, 512 págs.).

Um podcast – Brasil para Maiores, Marie Declercq e Tiago Dias.

O grande tagarela

Já contei neste espaço que servi no CPOR de Porto Alegre. Foi em 1992, ano do impeachment de Collor, da conferência internacional do clima no Rio de Janeiro e da demarcação das terras Yanomami. No pelotão havia um jornalzinho, eu era um dos editores, e nessas páginas lidas trinta anos depois encontro excertos do pensamento militar médio da época: nós fazíamos entrevistas em que o personagem da edição dava respostas breves, seguras o bastante para não causar problemas com a cúpula do quartel.

Assim, dá para dizer que oficiais da ativa de então – no caso, tenentes e majores que entrevistamos – se sentiam à vontade para falar publicamente de democracia (“é muito boa se funcionar”), ecologia (“importante, mas estão espetacularizando demais”), Amazônia (“eu queria ter o padrinho que os índios têm”). Diante da pergunta “qual o maior problema do Brasil e qual a solução?”, um deles retomou o tema mais sensível nos discursos que passamos o ano ouvindo tristemente, entre faxinas, guardas e sessões de Ordem Unida: “Salário dos militares. Aumento”.

O preâmbulo pessoal não é por acaso. O CPOR é uma espécie de versão resumida das Agulhas Negras, a academia que forma o oficialato brasileiro. No debate sobre a presença fardada excessiva em governos recentes, é na própria mentalidade da caserna – sua autoimagem, seu papel político autoimposto – que está parte dos argumentos. Como lembra o ótimo Poder Camuflado, do jornalista Fabio Victor (Companhia das Letras, 446 págs.), as Forças Armadas se veem como tutoras da sociedade brasileira desde a fundação da República: às vezes na linha de frente, às vezes nos bastidores, nunca como o que a tradição francesa de tropas profissionais chama de “o grande mudo”.

Trecho de texto publicado no Valor Econômico, 10/3/23. Íntegra aqui.

Fim de semana

Um filme – All the Beauty and the bloodshed, Laura Poitras.

Um podcast – Rio Memórias.

Um livro de fotografia – Atlas, Gerhard Richter (dap, 862 págs.).

Um livro de contos – Filho de Jesus, Denis Johnson (Todavia, 112 págs.).

Um texto – Daniel Galera sobre Denis Johnson e reconciliação (aqui).

Fim de semana

Uma exposição – Marc Chagall, CCBB.

Um disco – This is Why, Paramore.

Um filme ruim – A Baleia, Darren Aronofsky.

Um artigo – O NYT, a aids e a transfobia (aqui).

Um livro – Poder Camuflado, Fabio Victor (Companhia das Letras, 446 págs.).