Críticos e jornalistas respondem: qual o livro brasileiro que ainda precisa ser escrito? (1)
Almir de Freitas – “Homem Comum Brasileiro. Desde que este homem não seja 1) pobre, oprimido ou pertencente a qualquer condição que o torne apto em uma política de cotas; ou 2) cínico, desiludido ou com outro estado de ânimo que não permita que ele saia do quarto e fale com as pessoas, como fazem todos os homens comuns.”
Daniel Benevides – “Acho que nossa geração precisa de um Grande Romance Brasileiro, aquele objetivo mítico, graal literário que os americanos tanto perseguem. Seria um livro caudaloso, com milhões de histórias saborosas se entrecruzando, numa estrutura polfônica, com vários gêneros misturados. Algo como o 2666 do Bolaño, as experiências do Pynchon, o quixotesco A Pedra do Reino do Suassuna, a odisseia histórico-beatnik que é À Mão Esquerda (o clássico meio esquecido do Fausto Wolff) e por aí vai. E boto fé que vai rolar!”
Eduardo Carvalho – “Sinto falta de um thriller brasileiro que se passe em São Paulo hoje. Não só na cidade, mas no Estado inteiro: de uma festa no Clube Pinheiros a uma fazenda em São João da Boa Vista. Seria uma oportunidade para tratar a cidade de São Paulo – e, até certo ponto, o Brasil – de uma forma mais moderna, mais completa, e de tirar a literatura brasileira contemporânea de becos boêmios, intelectuais. Minha impressão é que principalmente nossos escritores mais novos estão muito preocupados com problemas psicológicos, sentimentais e/ou, digamos, artísticos. Mas não acho que a literatura deva sempre começar por aí ou se dedicar exclusivamente a essas questões. Ficaria contente se, portanto, mais escritores ignorassem essa tendência, e se pelo menos um deles escreve um livro ambientado em São Paulo e que combinasse aventura, suspense e algum humor, e cujos personagens fossem, sem ser muito cultos, ligeiramente excêntricos – como quase todos nós.”
Jonas Lopes – “Gostaria que fosse escrita uma Comédia Humana Paulistana, ou simplesmente Comédia Paulistana. Até hoje não se publicou um retrato tão ambicioso da cidade, com os devidos contrastes de riqueza e pobreza, mas, de preferência, sem pender demais para um dos lados. Um painel de feições balzaquianas mesmo, com força no dia-a-dia de São Paulo, mas também focado em personagens (sem ser panorânico demais), embora essa Comédia devesse, isso sim, fazer uso sofisticado e ensaístico da prosa (em termos de estilo, cadê nosso Piglia, nosso Saer, nosso Magris?) e do sempre recomendável cinismo – se o autor mantiver em casa um altar em homenagem a Chesterton, melhor ainda.”
Luís Augusto Fischer – “Um livro que me interessaria (e no qual eu penso trabalhar, sem muita esperança de conseguir realizar direito) seria um romance que desse um balanço da minha geração, gente que anda pelos 50 anos, uns três a mais ou a menos, gente que estava na universidade em meados dos 70 e que fez as passeatas pela Anistia e tal, gente que subiu ao poder. Com o PT em primeiro lugar, mas também com o PSDB (em São Paulo, claro, porque o PSDB é uma miragem paulista). Mas também queria ver nascer outro narrador capaz de humor sutil como o Machado de Assis.”
Italo Moriconi – “Gostaria que fosse escrita a saga do indigenismo e/ou da antropologia brasileira. Poderia ser um romance centrado num episódio demarcado ou poderia ser, por exemplo, uma biografia do Marechal Rondon ou de outros indigenistas interessantes. Claro que não se trata de originalidade total, temos Quarup, Maíra e até mesmo Nove Noites. Mas eu penso em algo que pegasse a saga, de maneira mais abrangente, extensa e profunda.”
Noemi Jaffe – “Gostaria de ler um livro de poemas que conseguisse dizer algo como ‘sei que amanhã, quando acordar/ ouvirei o martelo do ferreiro/ bater o seu cântico de certezas’, ou seja, algo da mais fina sabedoria e simplicidade, numa linguagem contemporânea, mas sem modismos nem afetação. Acho que tem algumas poucas pessoas fazendo algo parecido por aí, mas gostaria sempre de vê-los produzindo mais, até que consigam chegar nesta difícil depuração.”
Paulo Polzonoff – “Dois gêneros bastante desprezados pelos autores brasileiros são a ficção-científica e o que o americano chama de ‘fantasia’, tipo Senhor dos Anéis. Na ficção-científica, seria interessante imaginar um inventor tipo o Jeca do Monteiro Lobato. Bem ao espírito brasileiro, sabe, o cara sem educação formal que cria algo revolucionário porque ‘sou brasileiro e não desisto nunca’. Já no campo da fantasia, bem, confesso que não gosto muito do gênero, mas seria, digamos, interessante ler as aventuras de um adolescente criado em Alphaville numa jornada para encontrar o paradeiro do Anel Tupiniquim e, no meio do caminho, tendo de enfrentar os perigos de todo o nosso folclore, montado num Jegue Sem Cabeça. Putz, como sou um poço de ideias para estas coisas, me ocorre agora que poderiam também escrever algo como Memórias Póstumas de Brás Cubas com Zumbis, ou melhor, com um único zumbi: o próprio Brás Cubas.”