Michel Laub

Mês: junho, 2010

Críticos e jornalistas respondem: qual o livro brasileiro que ainda precisa ser escrito? (1)

Almir de Freitas – “Homem Comum Brasileiro. Desde que este homem não seja 1) pobre, oprimido ou pertencente a qualquer condição que o torne apto em uma política de cotas; ou 2) cínico, desiludido ou com outro estado de ânimo que não permita que ele saia do quarto e fale com as pessoas, como fazem todos os homens comuns.”

Daniel Benevides – “Acho que nossa geração precisa de um Grande Romance Brasileiro, aquele objetivo mítico, graal literário que os americanos tanto perseguem. Seria um livro caudaloso, com milhões de histórias saborosas se entrecruzando, numa estrutura polfônica, com vários gêneros misturados. Algo como o 2666 do Bolaño, as experiências do Pynchon, o quixotesco A Pedra do Reino do Suassuna, a odisseia histórico-beatnik que é À Mão Esquerda (o clássico meio esquecido do Fausto Wolff) e por aí vai. E boto fé que vai rolar!”

Eduardo Carvalho – “Sinto falta de um thriller brasileiro que se passe em São Paulo hoje. Não só na cidade, mas no Estado inteiro: de uma festa no Clube Pinheiros a uma fazenda em São João da Boa Vista. Seria uma oportunidade para tratar a cidade de São Paulo – e, até certo ponto, o Brasil – de uma forma mais moderna, mais completa, e de tirar a literatura brasileira contemporânea de becos boêmios, intelectuais. Minha impressão é que principalmente nossos escritores mais novos estão muito preocupados com problemas psicológicos, sentimentais e/ou, digamos, artísticos. Mas não acho que a literatura deva sempre começar por aí ou se dedicar exclusivamente a essas questões. Ficaria contente se, portanto, mais escritores ignorassem essa tendência, e se pelo menos um deles escreve um livro ambientado em São Paulo e que combinasse aventura, suspense e algum humor, e cujos personagens fossem, sem ser muito cultos, ligeiramente excêntricos – como quase todos nós.”

Jonas Lopes – “Gostaria que fosse escrita uma Comédia Humana Paulistana, ou simplesmente Comédia Paulistana. Até hoje não se publicou um retrato tão ambicioso da cidade, com os devidos contrastes de riqueza e pobreza, mas, de preferência, sem pender demais para um dos lados. Um painel de feições balzaquianas mesmo, com força no dia-a-dia de São Paulo, mas também focado em personagens (sem ser panorânico demais), embora essa Comédia devesse, isso sim, fazer uso sofisticado e ensaístico da prosa (em termos de estilo, cadê nosso Piglia, nosso Saer, nosso Magris?) e do sempre recomendável cinismo – se o autor mantiver em casa um altar em homenagem a Chesterton, melhor ainda.”

Luís Augusto Fischer – “Um livro que me interessaria (e no qual eu penso trabalhar, sem muita esperança de conseguir realizar direito) seria um romance que desse um balanço da minha geração, gente que anda pelos 50 anos, uns três a mais ou a menos, gente que estava na universidade em meados dos 70 e que fez as passeatas pela Anistia e tal, gente que subiu ao poder. Com o PT em primeiro lugar, mas também com o PSDB (em São Paulo, claro, porque o PSDB é uma miragem paulista). Mas também queria ver nascer outro narrador capaz de humor sutil como o Machado de Assis.”

Italo Moriconi – “Gostaria que fosse escrita a saga do indigenismo e/ou da antropologia brasileira. Poderia ser um romance centrado num episódio demarcado ou poderia ser, por exemplo, uma biografia do Marechal Rondon ou de outros indigenistas interessantes. Claro que não se trata de originalidade total, temos Quarup, Maíra e até mesmo Nove Noites. Mas eu penso em algo que pegasse a saga, de maneira mais abrangente, extensa e profunda.”

Noemi Jaffe – “Gostaria de ler um livro de poemas que conseguisse dizer algo como ‘sei que amanhã, quando acordar/ ouvirei o martelo do ferreiro/ bater o seu cântico de certezas’, ou seja, algo da mais fina sabedoria e simplicidade, numa linguagem contemporânea, mas sem modismos nem afetação. Acho que tem algumas poucas pessoas fazendo algo parecido por aí, mas gostaria sempre de vê-los produzindo mais, até que consigam chegar nesta difícil depuração.”

Paulo Polzonoff – “Dois gêneros bastante desprezados pelos autores brasileiros são a ficção-científica e o que o americano chama de ‘fantasia’, tipo Senhor dos Anéis. Na ficção-científica, seria interessante imaginar um inventor tipo o Jeca do Monteiro Lobato. Bem ao espírito brasileiro, sabe, o cara sem educação formal que cria algo revolucionário porque ‘sou brasileiro e não desisto nunca’. Já no campo da fantasia, bem, confesso que não gosto muito do gênero, mas seria, digamos, interessante ler as aventuras de um adolescente criado em Alphaville numa jornada para encontrar o paradeiro do Anel Tupiniquim e, no meio do caminho, tendo de enfrentar os perigos de todo o nosso folclore, montado num Jegue Sem Cabeça. Putz, como sou um poço de ideias para estas coisas, me ocorre agora que poderiam também escrever algo como Memórias Póstumas de Brás Cubas com Zumbis, ou melhor, com um único zumbi: o próprio Brás Cubas.”

Egopress

1) Aderi, finalmente: twitter.com/michellaub.

2) Sou um dos entrevistados do livro Diálogos com a literatura contemporânea III, do escritor e jornalista Marco Vasques (Editora Movimento, 414 págs.).

Fim de semana

Um lançamento em DVDA fita Branca, Michael Haneke.

Uma série na ESPNOs 50 maiores jogadores da história.

Uma reportagem de 2003 – Philip Gourevitch sobre a Coreia do Norte (aqui).

Uma carta de 1964 – Alceu Amoroso Lima sobre o golpe militar (aqui).

Um discoThe ghost who walks, Karen Elson (dica do Levino).

Um ovo frito – Estadão, breakfast of the champions.

Paixão, vício, humilhação, nudez

Mais trechos do Partido das coisas (ver post anterior):

O cigarro – “Recuperemos de início a atmosfera a um só tempo brumosa e seca, desgrenhada, onde (…) o cigarro está sempre enviesado. A seguir, sua pessoa: uma pequena tocha muito menos luminosa que perfumada, de onde se destacam e caem, em ritmo a determinar, um número calculável de pequenas massas de cinzas. Por fim, sua paixão: esse botão em brasa, escamando em películas prateadas, que uma bainha logo formada das mais recentes circunda.”

A água – “É branca e brilhante, informe e fresca, passiva e obstinada em seu único vício: a gravidade, dispondo de meios excepcionais para satisfazer esse vício: contornando, transpassando, erodindo, filtrando. No interior dela própria esse vício também atua: desaba sem cessar, renuncia a cada momento a qualquer forma (…), deita-se de bruços no chão, quase cadáver, como os monges de certas ordens.”

A Borboleta – “Quando o açúcar elaborado nos caules surge no fundo das flores, como xícaras mal lavadas – um grande esforço se produz no solo de onde, súbito, as borboletas alçam vôo (…). Fósforo voejante, sua chama não é contagiosa. E, além do mais, ela chega muito tarde e pode apenas constatar as flores desabrochadas. Não importa: comportando-se como acendedora de lâmpadas, verifica a provisão de óleo de cada uma. Pousa no cimo das flores o farrapo atrofiado que carrega e vinga assim sua longa humilhação amorfa de lagarta ao pé dos caules. Minúsculo veleiro dos ares maltratado pelo vento como pétala superfetatória, vagabundeia pelo jardim.”

Caracois – “Ao contrário das fagulhas, que são hóspedes das cinzas quentes, os caracois gostam da terra úmida. Go on, avançam colados a ela com todo o seu corpo. Carregam-na, comem-na, excrementam-na. Ela os atravessa. Eles a atravessam. É uma interpenetração do melhor bom gosto, pois por assim dizer de uma mesma tonalidade matizada – com um elemento passivo, um elemento ativo, onde o passivo banha a um tempo só e nutre o ativo – que se desloca enquanto come (…). Observe-se, aliás, que não se concebe um caracol fora de sua concha sem estar se movendo. Assim que repousa, volta logo ao fundo de si mesmo. Inversamente seu pudor o obriga a mover-se assim que mostra a sua nudez, que entrega sua forma vulnerável. Assim que se expõe, anda.”

A laranja, uma definição

Do Partido das coisas, de Francis Ponge (Iluminuras, 190 págs., tradução de Ignacio Antonio Neis e Michel Peterson):

“Como na esponja há na laranja uma aspiração a recobrar a compostura após ter sido submetida à prova da expressão. Mas, onde a esponja é sempre bem-sucedida, a laranja nunca: pois suas células rebentaram, seus tecidos se rasgaram. Enquanto só a casca se restabelece molemente em sua forma graças a sua elasticidade, um líquido de âmbar se derramou, acompanhado de refresco, de perfume suaves, sem dúvida – mas frequentemente também da consciência amarga de uma expulsão prematura de sementes.

Será preciso tomar partido entre essas duas maneiras de suportar mal a opressão? – A esponja não é senão músculo e se enche de vento, de água limpa ou de água suja, conforme: essa ginástica é ignóbil. A laranja sabe melhor, mas é por demais passiva – e esse sacrifício odorante… é entregar-se realmente muito barato ao opressor.

Mas não é o bastante o que se disse da laranja ao lembrar seu modo particular de perfumar o ar e de regalar o seu algoz. É mister acentuar a coloração gloriosa do líquido que disso resulta, e que, mais que o suco do limão, obriga a laringe a abrir-se largamente tanto para a pronúncia da palavra quanto para a ingestão do líquido, sem fazer nenhum beicinho apreensivo com a anteboca, da qual não faz eriçarem-se as papilas.

E fica-se, de resto, sem palavras para confessar a admiração que merece o envoltório do tenro, frágil e róseo balão oval nesse espesso mata-borrão úmido cuja epiderme extremamente delgada mas muito pigmentada, acerbamente sápida, é justo assaz rugosa para capturar condignamente a luz sobre a perfeita forma da fruta.

Mas ao fim de um estudo por demais breve, realizado tão redondamente quanto possível – é preciso chegar à semente. Esse grão, da forma de um minúsculo limão, oferece por fora a cor da madeira branca do limoeiro, por dentro um verde de ervilha ou de germe tenro. É nele que se encontram, após a explosão sensacional da lanterna veneziana de sabores, cores e perfumes que constitui o próprio balão frutado – a dureza relativa e o verdor (aliás, não inteiramente insípido) da madeira, do galho, da folha: em suma, pequena, embora com certeza a razão de ser da fruta.”

Spoilers clássicos do cinema (2)

Quatro pessoas num trem condenado a se espatifar numa ferrovia sem saída, e a essência ética de Edward Bunker, um dos autores do roteiro. Cão come cão. Só há liberdade na morte. A natureza sempre vence ao final.

Saramago

(Trechos de entrevista que Beatriz Albuquerque, Jefferson Del Rios e eu fizemos com ele em 1999, para a revista Bravo).

Obra – Até o Evangelho, foi como se eu estivesse, em todos esses livros, estado a descrever uma estátua. Portanto a estátua é a superfície da pedra. Quando olhamos para uma estátua, não estamos a pensar na pedra que está por detrás da superfície. Então é como se eu, a partir de Ensaio Sobre a Cegueira, estivesse a fazer um esforço para passar para o lado de dentro da pedra. Isso significa que não é que eu esteja a desconsiderar aquilo que escrevi até o Evangelho, mas é como se eu me apercebesse, a partir do Ensaio, que as minhas preocupações passaram a ser outras. Não penso que estou a escrever livros melhores que antes. Não tem a ver com qualidade, mas com intenção. É como se eu quisesse passar para o lado de dentro da pedra.

Essência – No Ensaio Sobre a Cegueira – isso é só pra mostrar como o objetivo passou a ser outro –, por exemplo, ninguém tem nome. E isso não é gratuito, quer dizer que estou pouco interessado com o que há de mais imediato no ser humano. E nesse caso seria a sua identificação, eu sou fulano de tal. Quer dizer, passo para lá disso. E o que eu quero saber, no fundo, é essa coisa tão simples e que não tem resposta: quem somos? Claro que, da mesma maneira que eu estou a falar, digamos, da estátua como superfície de pedra, também posso, em relação a qualquer de vocês, descrever numa página de um romance vossa fisionomia, o rosto, os gestos, a cor dos olhos, tudo isso. Mas não estarei a falar verdadeiramente de vocês. Então, a partir do Ensaio, é como se eu tivesse posto de par tudo aquilo que é acessório.

Personagens – É como se, a partir do Ensaio Sobre a Cegueira, deixasse de me importar se eles eram cristãos ou eram mouros. Não é que houvesse deixado de ter importância, mas, hoje, estou a tentar ir mais além da diferença que há ou pode haver entre um mouro e um cristão, saber o que é aquilo que porventura os une. Também não é isso, porque eu não sei o que poderá uni-los. O que eu quero saber, no fundo, é o que é isto de ser-se um ser humano.

Ensaio sobre a cegueiraTirando essa idéia de toda gente cega, o que há é uma espécie de verificação do que inevitavelmente acontece a partir do momento em que uma pessoa, ou um conjunto, ou a sociedade, ou o mundo todo se tornam cegos. Então há uma degradação do ser. Tudo aquilo que ali se encontra, a violência, o sexo… O sexo não tem nada a ver, nesse caso, porque o sexo ali é a manifestação de uma violência, digamos, em todos os casos, ou quase todos. Quer dizer, é sobre tudo, a podridão, a sujeira, o lixo, o homem, o ser humano conduzido à degradação suprema. Não é nada que a gente não conheça. Os campos de concentração mostraram até que ponto a pessoa pode ser degradada. E notem uma coisa, e não é por acaso, talvez, que no Ensaio Sobre a Cegueira as pessoas não têm nome. Porque os internados nos campos de concentração, a tatuagem que lhes punham no braço não dizia o nome que tinham, mas o número que tinham.

Sentido/fim da literatura – Não, não tem fim. Repare, se eu soubesse que havia um fim estaria desde já… Em primeiro lugar, saberia que há um fim. E em segundo lugar, estaria já a enunciá-lo, estaria já a dizer, eu estou fazendo isto porque quero chegar a esta conclusão. E posso antecipar essa conclusão… Mas não sei. Então, a única coisa que quero fazer é isto, é mostrar uma situação como a de Ensaio Sobre a Cegueira, mostrar outra situação como a de Todos os Nomes, que é a busca do outro, a procura do outro, que é infrutífera, malsucedida.

Otimismo/pessimismo – Essas categorias não são relevantes. Dizer se o livro é otimista ou pessimista? Digamos, a visão que eu tenho do mundo é francamente pessimista, claro, como de resto basta ver (…). Eu posso ser um pessimista, mas isso não significa que eu condeno à morte, ou ao degredo, ou à prisão, ou à miséria, ou à desgraça essas minhas personagens. Sou solidário, enfim, com elas. Mas o fato de ser solidário não me transforma em otimista. Otimista por quê? Se as razões que levam, como me levam, a contar uma determinada história são razões que têm a ver, obviamente, com minha visão do mundo, da história e da sociedade, vão sendo razões essas bastante pessimistas, porque o mundo não me dá nenhuma razão para ser otimista. Então isso é o que aparece nos meus livros. Mas não creio que valha a pena, digamos, dividir o mundo em duas partes, os otimistas e os pessimistas. Isso não existe. E, de resto, se reparar bem, se você fizer uma lista de escritores otimistas desde sempre, você escreve três ou quatro nomes, e não mais. E se for fazer a lista dos escritores pessimistas, são todos.

Prosa, ritmo, melodia – Não sei se tem diretamente a ver com a melodia, mas tem a ver com aquilo a que, em termos musicais, chama-se o andamento, ou o compasso. Menos o ritmo do que o compasso e o andamento. Tem a ver com o modo como se constrói a própria frase. Quando estou a escrever, não estou a pensar obsessivamente nisso. Simplesmente acontece. É eu sentir, por exemplo, que uma determinada frase em que já disse tudo quanto tinha para dizer, do tal ponto de vista musical, no sentido do compasso que tem que se desenvolver, tem de terminar. Um, dois, três, quatro: quer dizer, tem de acontecer isso. Também tem de acontecer isso na própria frase que está a ser escrita. E pode acontecer que do ponto de vista do sentido já esteja tudo completo, mas que a frase necessite de três ou quatro palavras mais que não acrescentam nada, que não vão acrescentar rigorosamente nada, mas que são necessárias para que o último tempo do compasso caia e repouse. Enfim, isso tem a ver também, mas aí já de uma maneira involuntária e quase instintiva, com o fato de que os narradores de contos, digamos, dos contos orais, têm uma espécie de saber infuso, que não aprenderam. Ou melhor, aprenderam com o que ouviram, os contos contados por outros antes deles.

Narrativa oral/escrita – Há uma espécie de ciência, digamos, da narrativa oral. Nas aldeias, hoje, está-se a perder tudo, mas havia precisamente essa capacidade de narrar. Um conto nunca era igual duas vezes, porque se acrescentava sempre alguma coisa. Havia depois, também, as interpolações, e de repente o narrador do conto lembrava-se de um outro episódio e intercalava o episódio para depois retomar a história. E isso, que pode ser confuso, se obedecer a uma preocupação estrutural, se tiver em conta os valores do andamento do compasso e, digamos, da própria melodia – que aí já tem a ver com a sonoridade de cada palavra e da sucessão delas –, tem então qualquer coisa de encantatório. No fundo, a palavra autêntica, a palavra verdadeira é a palavra dita. A palavra escrita é apenas uma coisinha morta que está ali, à espera de que a ressuscitem. E é no dizer da palavra que a palavra é efetivamente palavra. Por isso, às vezes eu digo que convém a um leitor que está a ler um romance meu que ele seja capaz de ouvir dentro da cabeça a voz que está a dizer aquilo que ele está a ler. Ele está a fazer uma leitura silenciosa, como é normal. O que peço, alguma coisa posso pedir aos leitores, mesmo no sentido de uma compreensão mais exata daquilo que está escrito, é que tente ouvir dentro de sua cabeça essa voz.

Motivação para escrever – Continuo a pensar que tenho umas tantas coisas para dizer. E são essas coisas que eu quero dizer, independentemente dos reconhecimentos da posteridade, ou das glórias e, digamos, do dia em que estou Nobel ou não.

Posteridade – É um bocado arriscado dizer: eu escrevo para a posteridade. Mas quem é que garante que a posteridade se interessa, que vai se interessar por aquilo que o escritor fez? Não tem sentido. O Stendhal dizia: “Escrevo para daqui a cem anos”. E, realmente, nesse caso acertou. Mas oito anos depois, salvo erro, da publicação de A Cartuxa de Parma tinham-se vendido treze exemplares. Então Stendhal não devia estar a pensar que escrevia para o seu tempo… Se o seu tempo, em oito anos, tinha comprado treze exemplares da Cartuxa, então é porque o tempo dele não estava interessado. Nesse caso, parece que a posteridade, essa sim, quis saber o que é que esse senhor chamado Stendhal tinha andado a fazer. Mas o que é a posteridade? São cinqüenta anos depois? Cem? E temos a certeza que duzentos anos depois a posteridade ainda continua a interessar-se por aquilo que a posteridade dos cem anos se interessou? E daí a trezentos? E a quatrocentos? E a mil? Quer dizer, se eu pudesse antecipar os gostos, as expectativas, as necessidades dessa posteridade num certo momento disso tudo, então poderia dizer, bom, eu sei o que a posteridade quer e sei que estou a fazer aquilo que ela vai querer. Alguém pode dizer isso?

Fim de semana

Uma série de documentários: Mostra cinema e futebol, Canal Brasil (em vários horários).

Um ensaio sobre escritores em crise: Blocked, de Joan Acocella (aqui).

Um disco: Archandroid, Janelle Monáe.

Um motorista defensivo: Emilio Fraia

Uma montagem teatral com altos e baixos: Policarpo Quaresma, dir. Antunes Filho.

Egopress

Estarei na feira do livro de Canoas/RS nesta sexta, às 19h30, numa mesa com André Sant’Anna. E dia 24/6, às 19h, participo de uma conversa na feira de Itajaí/SC.

Filmes em cartaz cuja sinopse não dá muita vontade de sair de casa (3)

(textos dos guias da Folha e do Estadão):

Em busca de uma nova chance – A família Brewer fica abalada com a morte do jovem Brennet num acidente de carro. Seus pais demoram a aceitar a tragédia.

Plano B – Após fracassar em seus relacionamentos amorosos, Zoe decide encerrar a espera pelo grande amor e vai a uma clínica fazer inseminação artifical.

Ao sul da fronteira – O diretor confronta a política neoliberal comandada pelos EUA por meio de entrevistas com líderes sul-americanos.

Mary e Max, uma amizade diferente – A animação mostra a história de amizade entre uma menina solitária e um judeu.

Direito de amar – George é um professor de inglês que vive em Los Angeles, nos anos 60, e decide se matar após a morte repentina de seu companheiro.

Fim de semana

Uma exposição: Max Ernst no Masp.

Um disco: Infinite arms, Band of horses.

Uma edição comemorativa: Alguma poesia, Carlos Drummond de Andrade (IMS, 392 págs.).

Um filme bom até mais ou menos a metade: O escritor fantasma, Roman Polanski.

Um temaki de ovas: Hideki.

Dez regras sobre humor

1. Humor involuntário quase sempre é melhor que o voluntário.

2. “Humor sutil” e “humor inteligente” são conceitos que apelam para a vaidade da plateia: ela se sente compelida a rir porque estão lhe dizendo que aquelas tiradas só são compreendidas por pessoas sutis e inteligentes.

3. Algo semelhante pode ser dito da ironia, do nonsense, da paródia: em sua vertente diluída, esses gêneros se anunciam como tal e também apelam – às vezes mendigam – por simpatia. Em sua vertente ideal, jamais piscam dando indicação da própria natureza, e assim correm o risco de soarem obscuros ou idiotas.

4. Nesse sentido, o gênero de humor mais corajoso – e portanto nobre – é a piada interna.

5. Quanto ao mais vulgar – o das piadas com início, meio e fim –, a eventual graça está na pessoa que conta, e nunca no que é contado. O problema é que contar piadas é algo raramente atraente para pessoas com verdadeiro senso de humor – vide a média da stand-up comedy –, e por consequência engraçadas.

6. O humor deveria ir sempre contra as certezas do público. Piadas de esquerda para o meio cultural, ou sátira do politicamente correto na TV aberta – trocando “anão” por “verticalmente prejudicado”, coisas assim – são um tipo de fraqueza, eventualmente de caráter.

7. Ainda sobre o item anterior: a diferença entre humor corrosivo – que sempre inclui constrangimento – e humor corrosivo demagogo – que não consegue deixar de ser didático – é aquela entre a primeira temporada do Office inglês e todas as temporadas da versão americana.

8. Alexandre Soares Silva: “Todo mundo que diz ‘se isso é humor, então eu não tenho nenhum senso de humor’ não tem nenhum senso de humor.”

9. Não há perdão para propaganda de cerveja, cerimônia de Oscar, celebridades entrevistadas por David Letterman.

10. Dostoiévski, Adorno e Coetzee  são autores engraçados.

Feriado

Um relato pessoal: Bill Clegg e o crack (aqui).

Uma séria de fotografias: Hildegard Rosenthal e a São Paulo de 1940 (aqui).

Um japonês: Yamaga.

Um filme simpático: A morte e a morte de Quincas Berro d´Água, Sérgio Machado.

Um disco: Grey oceans, CocoRosie.

O que fazer quando seu consultor de investimentos informa que a coisa não deu muito certo

(e na sequência: as desvantagens de ser casado com a Ginger e entrar numa discussão vestindo um roupão cor de rosa):

O que fazer quando o suspeito de 12 anos não confessa que é autor da lição de casa encontrada dentro de um carro