Michel Laub

Mês: junho, 2019

Fim de semana

Um documentário – Teenage, Matt Wolf.

Um filme inusitado – As Boas Maneiras, Juliana Rojas/Marco Dutra.

Um disco – Anima, Thom Yorke.

Um ensaio fotográfico – Frances F. Denny  e as bruxas (aqui).

Uma releitura – O Apanhador no Campo de Centeio, J.D. Salinger (Todavia, 456 págs.).

O coro do Apocalipse

“Em apenas uma noite (…) demos um salto para uma realidade (…) acima do nosso saber e da nossa imaginação”, escreve a jornalista e prêmio Nobel de literatura Svetlana Aleksiévitch, referindo-se à explosão de um reator nuclear na usina de Chernobyl, na Ucrânia, em 26 de abril de 1986. “Nas altas esferas, decisões eram tomadas (…), os helicópteros subiam aos céus, uma enorme quantidade de caminhões militares se deslocava pelas estradas; embaixo, esperavam-se as ordens e (…) vivia-se de rumores, mas todos guardavam silêncio sobre o principal: o que de fato havia acontecido?”

A pergunta resume duas dificuldades que o acidente impôs à memória de quem sobreviveu. A primeira foi que, dada a censura imposta pelo governo soviético, que então controlava a Ucrânia e outras catorze repúblicas, demorou-se muito a ter informações confiáveis sobre o tamanho físico e simbólico do estrago. Chernobyl não foi apenas um dos maiores desastres do Século XX – também foi o início da queda de um império, a evidência de sua precariedade tecnológica e caos administrativo.

Em termos imediatos, a devastação estabeleceu cadeias de causa e efeito, responsabilidades individuais e difusas que não são estranhas às narrativas de guerras e catástrofes. Chernobyl, a boa série que recentemente fez sucesso no canal HBO, a par das discussões sobre a acuidade de sua reconstituição de época, foca nesse universo político e moral – os embates entre ideologia e conhecimento, o custo humano das grandes ideias diante da inflexibilidade da física, da química, da biologia.

Já Svetlana parece preocupada com outra dimensão. Seu Vozes de Tchernóbil (Companhia das Letras, 384 págs., tradução de Sonia Branco), que serviu de base para uma parte não creditada da série, dá conta da segunda dificuldade de quem relata o trauma daquele 26 de abril: o fato de que determinadas lembranças se situam ao mesmo tempo abaixo e acima do grande radar da história. Nesse registro impressionista, necessariamente singular, encontra-se a perplexidade do que a autora chamou de “ser humano no cosmo.”

Trecho de texto publicado no Valor Econômico, 21/6/2019. Íntegra aqui, para assinantes e cadastrados.

Fim de semana

Um livro – Vozes de Tchernóbil, Svetlana Aleksiévitch (Companhia das Letras, 384 págs.).

Uma reportagem – Como os algoritmos fazem os radicais de YouTube (aqui).

Uma exposição – Acervo em Transformação, MASP.

Um documentário sobre John Lennon – Só o Céu como Testemunha, Michael Epstein.

Um (não) documentário sobre Bob Dylan – Rolling Thunder Review, Martin Scorsese.

 

Figuras do desejo

Num texto publicado na revista Serrote, o escritor argentino César Aira define o que considera uma diferença básica entre ensaio e romance. Se no primeiro o tema “vem antes”, e sua escolha é decisiva para extrair o “tom literário” do desenvolvimento e conclusão, no último ele apenas “se revela ao final, como uma figura desenhada pelo que se escreveu (…) independentemente das intenções do autor.”

A síntese é boa para explicar por que tantas ficções parecem nascer inócuas, afogadas na ânsia de afirmar ou contestar determinadas ideias em voga. Com o assunto gritando a cada linha, há pouco espaço para os deslocamentos que, numa articulação particular entre forma (linguagem, arquitetura narrativa) e conteúdo (visão de mundo, sensibilidade), geram os imprevistos de resultado tão típicos da literatura.

O caso da americana Kristen Roupenian é exemplar do problema. Em 2017, ela causou enorme barulho ao publicar o conto “Cat Person” na revista The New Yorker. Imediatamente a editora Scout Press lhe ofereceu um contrato de estimados US$ 1,2 milhão por dois livros. Pelo mundo, incluindo o Brasil, para onde ela vem participar da Flip em julho, leitores se ocuparam em discutir o que o jornal inglês The Guardian chamou de “história que deu origem a mil teorias”.

Trecho do texto publicado no Valor Econômico, 7/6/2019. Íntegra aqui.

Fim de semana

Um relançamento – A Promessa/A Pane, Friedrich Dürrenmatt (Estação Liberdade, 224 págs.).

Uma série média – O Assassinato de Gianni Versace.

Um filme médio – 22 July, Paul Greengrass.

Um no máximo médio – Lords of Chaos, Jonas Akerlund.

Um documentário – Meet the Night Runners (aqui).