Michel Laub

Mês: abril, 2009

Feriado

Um livroFrenesi polissilábico, de Nick Hornby (Rocco, 264 págs.).

Uma exposição em Porto Alegre – Iberê Camargo no museu Iberê Camargo.

Um filme meio chato, mas bomSinédoque, de Charlie Kaufman.

Um show na Virada Cultural – Instituto, na São João.

Uma peça na Virada CulturalO corpo, na Galeria Olido.

Egopress

 

1) Na nova edição da revista Vip há um texto meu sobre mulheres do cinema com quem “não se deve casar” (a idéia foi do editor, juro).

 

2) Nesta quinta, às 21, no Tapas (Augusta, 1246), faço minha estréia mundial como DJ estagiário e pau mandado (a.k.a. sub do sub) das moças do Cabernet Sauvignon.

Duas falas sobre natureza e ânimo

 

1) A de Ishmael no início clássico de Moby Dick (Cosacnaify, 656 págs.):

 

“Sempre que começo a ficar rabugento; sempre que há um novembro úmido e chuvoso em minha alma; sempre que, sem querer, me vejo parado diante de agências funerárias, ou acompanhando todos os funerais que encontro; e, em especial, quando minha tristeza é tão profunda que se faz necessário um princípio moral muito forte que me impeça de sair à rua e rigorosamente arrancar os chapéus de todas as pessoas – então percebo que é hora de ir o mais rápido possível para o mar.”

 

2) A do narrador de Stanley Elkin em The making of Ashenden, citado por Francine Prose em Para ler como um escritor (Zahar, 319 págs.) como “romance sobre o caso de amor arrebatado e altamente inadequado entre um homem rico e um urso”:

 

“Durante toda a minha vida adulta fui um hóspede nas casas de outras pessoas, seguindo o sol e as estações como uma ave migratória, um instinto em mim, a astuta sensibilidade do homem rico para o momento propício, um senso de ostra-em-mês-com-r operando ali onde se sabe sem referência a nada de exterior o momento de pôr na mala a raquete de tênis, de levar o binóculo alemão para observar as aves de um amigo, o telescópio para contemplar suas estrelas, o traje de mergulho para nadar sob suas águas quando os peixes exóticos estão migrando. Não está no Times quando o smoking preto sai de cena e entra o branco; é algo mais seguro, mais sutil, o delicado sistema de orientação dos privilegiados, minha astronomia de playboy.”

Egopress

 

1) Meu novo romance, O gato diz adeus (Companhia das Letras, 80 págs.), já está nas livrarias. Haverá dois lançamentos em abril: em Porto Alegre, dia 22, a partir das 19h, na Palavraria (Vasco da Gama, 165), e em São Paulo, dia 27, também a partir das 19h, na Mercearia São Pedro (Rodésia, 34).

 

2) O blog faz uma pausa e volta a ser atualizado em duas semanas.

‘O filho da mãe’, de Bernardo Carvalho

 

(publicado no guia de livros da Folha – ver também post de 11/3):

 

Integrante da coleção Amores expressos, cujos títulos sempre trazem uma história de amor vivida numa cidade estrangeira, a trama intrincada do novo romance de Bernardo Carvalho não é apenas romântica, embora também enfoque a relação entre um soldado e um ladrão, e nem se limita a São Petesburgo, onde se passam a maior parte das cenas. Mais amplamente que isso, e como é praxe neste autor singular na literatura brasileira, o que está em jogo em O filho da mãe é o indivíduo e suas identidades possíveis – nacionais, culturais, sexuais – no caos do mundo contemporâneo.

 

Se em romances como Nove noites e O sol se põe em São Paulo tais identidades eram postas à prova pela geografia e pelo meio, em O filho da mãe tudo parece ditado pela história – no caso, a tenebrosa história russa, marcada pelo que Joseph Conrad, citado num romance de Martin Amis sobre o Gulag, chamava de “freqüência do excepcional”. Uma herança de massacres, tragédias, pobreza e tirania que faz os personagens – bandidos, burocratas, mães à procura de filhos perdidos, militares envolvidos em guerras absurdas – chafurdarem num cotidiano de humilhação e desespero.

 

A par de defeitos de menor importância – algumas falas explicativas demais no começo, um ou outro trecho que exagera no psicologismo –, o livro é muito feliz na escolha de um registro em terceira pessoa, mas que mantém a linguagem menos tensionada de obras recentes de Carvalho. É a partir dela, com sua recusa ao cerebralismo objetivo, que emergem as emoções escondidas num tempo e num lugar onde “sempre haverá alguém pronto para reconhecer e atacar a vulnerabilidade”.

Ridley Scott e os profissionais

 

Tenho bastante simpatia pelos diretores hollywoodianos “profissionais”, a família da qual fazem parte Ron Howard, James Cameron, Michael Mann e tantos outros. Porque o mundo às vezes precisa de filmes sobre relações humanas e deus e o destino, mas que em seu miolo expliquem pacientemente como funciona uma nave espacial, um navio transatlântico ou as reuniões de pauta do 60 minutes – algo que os best-sellers tipo John Grisham podem fazer bem, e daí o seu sucesso utilitário, só que sem a concisão e a praticidade do cinema.

 

Dos diretores profissionais que volta e meia trabalham em Hollywood, ninguém é mais talentoso que Ridley Scott. Por vezes ele chega até a ser confundido com a família dos “artistas” – e o caso clássico é Blade Runner –, mas é bem possível que isso aconteça por acaso, que sua intenção inicial fosse e continue sendo apenas filmar uma história da melhor maneira.

 

Revendo O gângster no Telecine, fiquei pensando no que alguém como Francis Ford Coppola ou Martin Scorsese poderia ter feito do argumento. O primeiro estenderia o filme em mais umas duas horas, e recriaria todo o cenário novaiorquino, e daria uma dimensão wagneriana para os personagens, e um dos atores teria um infarto filmando as cenas do Vietnã. O último incluiria uma mulher linda e trágica no enredo, e puniria todo mundo ao final, e em algum momento daria um jeito de tocar Gimme Shelter, e o ajudante de Denzel Washington – não me perguntem como, já que ele não se bicava com os italianos – seria Joe Pesci.

 

É até provável que o filme ficasse melhor, só que exigiria um outro esforço do espectador, algo que nem sempre se está disposto a fazer. O gângster é diferente: passa-se por ele com leveza, nada ali chega a ser exatamente dramático ou angustiante, porque Ridley Scott parece preocupado é com o interesse que todos temos em saber a que horas um chefão do tráfico acorda, se ele come pão com manteiga no café da manhã, se ele vai com a mãe na missa aos domingos, se ele consegue os melhores tickets para ver Muhammad Ali. Em Coppola e Scorsese essas cenas de dia-a-dia funcionam num sentido de ritmo, os intervalos de respiro entre as seqüências que dão o peso e o significado reais, amplos e solenes ao roteiro. Em Scott elas são praticamente tudo. Como há poucos riscos nessa escolha, e como pouca gente sabe filmar como ele – pense em Alien, Gladiador, Falcão negro em perigo, Um bom ano, Rede de mentiras –, dificilmente algo que faça será menos do que bom, ou com sorte até muito bom.

Páscoa

 

Uma exposiçãoAmazônia, de Bob Nugent, no Instituto Tomie Ohtake.

 

Um documentárioPalavra (en)cantada, de Helena Solberg.

 

Uma músicaFlorecita Rockera, Aterciopelados.

 

Um livro com a doutora Kay ScarpettaPredador, de Patricia Cornwell (Companhia das Letras, 424 páginas).

 

Uma reportagem sobre o paciente David Foster Wallace – a de D.T.Max na New Yorker de 9/3.

Duas perguntas para Sérgio Rodrigues

 

Escritor e jornalista, autor do blog todoprosa e do recém-lançado Elza, a garota (Nova Fronteira, 240 págs.), romance baseado num episódio histórico controverso – o assassinato, a mando do Partido Comunista Brasileiro, da namorada de um de seus dirigentes, em 1936.

 

O que é mais difícil: botar fatos reais numa ficção ou ficção em fatos reais?

Tecnicamente dá no mesmo, mas injetar ficção em fatos reais é mais perigoso. O risco de falsear uma certa verdade histórica aumenta a responsabilidade. Seja como for, os dois processos me interessam, e a fronteira entre eles nem sempre é tão clara no Elza, que investe pesado num embaralhamento dessas coisas.

 

Você certamente imaginou que o romance ganharia muitas leituras ideológicas. Isso influenciou na maneira como ele foi escrito?

Creio que não. Imaginar como os leitores reais vão ler é algo que sempre evitei fazer enquanto escrevo, pois pode ter efeito paralisante. Por outro lado, sim, mas só no sentido de que eu escrevo para mim mesmo, sou meu primeiro leitor. E desde o início me interessava descascar as camadas ideológicas dessa história em busca de um certo miolo, uma verdade que fosse ao mesmo tempo histórica e romanesca. Se fui bem-sucedido, o livro está cheio de antídotos contra leituras simplistas de esquerda e de direita.

Caetano: bossa nova, tropicalismo e imprensa

 

Outro trecho de O som do pasquim (ver post anterior):

 

“Quando digo que o meu trabalho e o de Gil não são do mesmo nível da bossa nova, é porque o nosso trabalho não tem uma característica formal definida (…). Você pode pegar um disco do João Gilberto, tocar 500 vezes e, se você tem bom ouvido musical, você pega os acordes e faz. Agora uma coisa que não tem uma forma definida, como o nosso trabalho, como é que você vai imitar?”

 

Falar bem ou mal de Caetano Veloso não deixa de ser uma espécie de moda, e a tendência negativa atual parece que mudará, dados os elogios que seu novo disco vem recebendo. Independentemente disso, e em meio ao barroquismo que sempre envolve suas respostas, não dá para negar a precisão de alguns de seus diagnósticos – como o citado acima, de 1971, ou o seguinte, tirado de Pós-tudo, o livro comemorativo dos cinqüenta anos da Ilustrada que saiu em 2008 (Publifolha, 368 págs.):

 

“Eu não sou frankfurtiano. Acho que quando os artistas eram posse do príncipe ou do Papa não estavam em melhor situação do que sendo posse do mercado (…). O jornalista tende a gostar muito do Adorno (…). Há uma contradição, porque Adorno odiaria esse mundo do jornalismo. Ainda mais o dos segundos cadernos, que é o mundo do entretenimento, da indústria da cultura.”

Música brasileira: dinheiro, mulheres e discos voadores

 

Longe de mim endossar qualquer conversa nostálgica sobre cultura e imprensa: de maneira geral, e isso não se restringe aos dois temas, acho que o mundo hoje é melhor que trinta, cinqüenta ou cem anos atrás. Mas é fato que entrevistas como as reunidas em O som do pasquim, com organização de Tárik de Souza (Desiderata, 277 págs.), há algum tempo deixaram de ser comuns. Talvez porque os artistas em 2009 tenham mais informação – ou assessoria – que naquela época, o que filtra um pouco de sua sinceridade, digamos assim. Ou porque os veículos não fazem mais longas sessões de perguntas em bares, hábito do Pasquim que, coincidentemente ou não, resultava em declarações como estas:

 

Agnaldo Timóteo – “No Plaza, cansei de tomar dinheiro com nome de outros: ligava e tomava uma grana. (…) Tem um cara aí, que escreve para jornal, que uma vez eu telefonei para uma boate com o nome dele, fui lá e apanhei 10 contos!”.

 

Moreira da Silva (perguntado sobre o boato de que seu samba mais conhecido, Na subida do morro, na realidade era de Geraldo Pereira) – “Sim, é verdade. Ele me vendeu por 1 conto e 300.”

 

Waldick Soriano – “Nenhuma mulher deve pensar que o homem fora de casa vai ser fiel a ela, entendeu? O homem sempre tem necessidade de procurar outra mulher. E se a mulher fica grávida, o homem não é culpado, entende? Nós somos assim: um servindo o outro.”

 

Raul Seixas – “(O disco voador estava) parado, estático. O Paulo (Coelho) chegou e nós começamos a conversar, sentados. Foi como se a gente tivesse feito uma viagem no próprio disco. E vendo a problemática toda do planeta.”

Fim de semana

 

Uma revistaserrote (IMS, 224 págs.).

 

Uma exposição – fotos da coleção Pirelli no MASP.

 

Uma músicaSex machine, Rabbits and Carrots.

 

Um restaurante – Pasquale.

 

Um filme mais ou menos e cheio de boas intençõesGran Torino, de Clint Eastwood.

 

Um filme mais ou menos e cheio de intençõesChe, de Steven Soderbergh.

Duas considerações sobre preparo físico

 

Primeiro, a de Norman Mailer em A Luta (Companhia das Letras, 224 páginas), enquanto tenta acompanhar Muhammad Ali numa corrida de fim de tarde no Zaire:

 

“É preciso atingir o ponto em que as pernas e os pulmões funcionam em conjunto, em algum estado igualitário de esforço. Cada qual pode estar próximo ao esgotamento, mas, se umas não estiverem mais cansadas do que os outros, proporcionam um equivalente lancinante e laborioso para o incansável, a saber, que a sensação após um quilômetro não é mais abominável do que a que se tem no fim de quinhentos metros. O truque é atingir esse estado desagradável sem ter de proteger nem as pernas, nem os pulmões. Então, caso não haja morros que dissipem reservas minguadas, se não se perde o passo ou se é forçado a parar, se não se tropeça e não se fala, aquela toada progressiva e firme pode continuar, determinada, ofensiva às entranhas da meia-idade, mas virtuosa – a sensação de que se é o motor de um velho cargueiro.”

 

Depois, a ouvida por um personagem de Rubem Fonseca que assistia a um treino da seleção antes da copa do México, no conto Abril, no Rio, em 1970, de Feliz ano novo (Companhia das Letras, 176 páginas):

 

“Fiquei de olho no Gerson. Jogador de futebol vive cuspindo. Ele passou perto, deu um daqueles passes de trinta metros e cuspiu. Viu? Limpo, transparente, cristalino. Sabe o que é isso?, perguntou Braguinha. Fiquei na dúvida, será que ele estava esculhambando o Gerson? Está cheio de nego por aí que não topa o Gerson, que que eu ia dizer? Fiquei calado, balancei a cabeça e o Braguinha mesmo respondeu, preparo físico, menino, preparo físico, para cuspir assim o cara tem de estar tinindo. Vamos estraçalhar os gringos.”