Tenho bastante simpatia pelos diretores hollywoodianos “profissionais”, a família da qual fazem parte Ron Howard, James Cameron, Michael Mann e tantos outros. Porque o mundo às vezes precisa de filmes sobre relações humanas e deus e o destino, mas que em seu miolo expliquem pacientemente como funciona uma nave espacial, um navio transatlântico ou as reuniões de pauta do 60 minutes – algo que os best-sellers tipo John Grisham podem fazer bem, e daí o seu sucesso utilitário, só que sem a concisão e a praticidade do cinema.
Dos diretores profissionais que volta e meia trabalham em Hollywood, ninguém é mais talentoso que Ridley Scott. Por vezes ele chega até a ser confundido com a família dos “artistas” – e o caso clássico é Blade Runner –, mas é bem possível que isso aconteça por acaso, que sua intenção inicial fosse e continue sendo apenas filmar uma história da melhor maneira.
Revendo O gângster no Telecine, fiquei pensando no que alguém como Francis Ford Coppola ou Martin Scorsese poderia ter feito do argumento. O primeiro estenderia o filme em mais umas duas horas, e recriaria todo o cenário novaiorquino, e daria uma dimensão wagneriana para os personagens, e um dos atores teria um infarto filmando as cenas do Vietnã. O último incluiria uma mulher linda e trágica no enredo, e puniria todo mundo ao final, e em algum momento daria um jeito de tocar Gimme Shelter, e o ajudante de Denzel Washington – não me perguntem como, já que ele não se bicava com os italianos – seria Joe Pesci.
É até provável que o filme ficasse melhor, só que exigiria um outro esforço do espectador, algo que nem sempre se está disposto a fazer. O gângster é diferente: passa-se por ele com leveza, nada ali chega a ser exatamente dramático ou angustiante, porque Ridley Scott parece preocupado é com o interesse que todos temos em saber a que horas um chefão do tráfico acorda, se ele come pão com manteiga no café da manhã, se ele vai com a mãe na missa aos domingos, se ele consegue os melhores tickets para ver Muhammad Ali. Em Coppola e Scorsese essas cenas de dia-a-dia funcionam num sentido de ritmo, os intervalos de respiro entre as seqüências que dão o peso e o significado reais, amplos e solenes ao roteiro. Em Scott elas são praticamente tudo. Como há poucos riscos nessa escolha, e como pouca gente sabe filmar como ele – pense em Alien, Gladiador, Falcão negro em perigo, Um bom ano, Rede de mentiras –, dificilmente algo que faça será menos do que bom, ou com sorte até muito bom.
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