Uma língua varia muito de país para país onde é falada. A região x de uma cidade não usa as gírias da região y. Taxistas não se expressam como advogados, adultos não entendem coisas que adolescentes dizem. No limite, lembra o escritor, tradutor e professor curitibano Caetano Galindo, referindo-se ao que a linguística chama de idioleto, “cada pessoa fala uma versão singular do idioma.”
A frase faz parte de Latim em Pó, ótimo livro de divulgação que resume a longa história do português que usamos no dia-a-dia (Companhia das Letas, 228 págs.). Galindo passa por Europa, África e Américas, dando conta das influências, adaptações e controvérsias em torno do idioma que nasceu do galego, que veio do latim da região do Lácio, que herdou resquícios do protoindo-europeu (origem também do grego e do sânscrito).
Há muitas passagens curiosas no texto. Por exemplo, sobre a trajetória cultural/política de certas palavras e marcos de prosódia. “Esquerdo”, que parece o basco “ezker”, surge de uma substituição que é comum em termos contaminados pelo tabu, desviando o caminho que entre nós daria no latino “sinistro”. Já o “rótico retroflexo”, ou erre caipira, é fruto da urbanização brasileira e seus intercâmbios com a cultura rural de migrantes, ou da força econômica de fenômenos recentes como o agro – uma expressão que dominou outras normas regionais até chegar à fala de rappers e filhos da classe média nas cidades.
É a ideia do idioleto, contudo, que pego emprestada nesta coluna cujo objeto é literário. Um dos paradoxos da língua, com todas as voltas milagrosas que nos faz vivermos mediados por ela em sociedade, é que num nível muito essencial a comunicação entre emissor e receptor nunca será completa. Algo ainda mais visível em gêneros onde o detalhe é decisivo, como a poesia: aqui tudo é submetido ao que Tom Zé chama de “unimultiplicidade”, condição em que “cada homem é sozinho/ a casa da humanidade”.
Trecho de texto publicado no Valor Econômico, 25-2-23, sobre Caetano Galindo e o novo romance de JM Coetzee, O Polaco. Íntegra aqui.
Uma exposição – Marc Chagall, CCBB.
Um disco – This is Why, Paramore.
Um filme ruim – A Baleia, Darren Aronofsky.
Um artigo – O NYT, a aids e a transfobia (aqui).
Um livro – Poder Camuflado, Fabio Victor (Companhia das Letras, 446 págs.).
Um livro – Latim em Pó, Caetano Galindo (Companhia das Letras, 232 págs.).
Um disco – Língua Brasileira, Tom Zé.
Uma entrevista meio velha-guarda – Salman Rushdie na NY Radio Hour.
Uma série meio histérica – The Bear.
Um filme – A Ilha de Bergman, Mia Hansen-Løve
Um livro – O Peso e a Graça, Simone Weil (Chão de Feira, 224 págs.).
Outro – El Polaco, J.M. Coetzee (El Hilo de Ariadna, 144 págs.).
Um texto – Ricardo Balthazar sobre Janio de Freitas na Piauí.
Um filme – Tár, Todd Field.
Um depoimento – João Barone para Bruna Paulin no História do Disco.
Um catálogo – To Look Without Fear, Wolfgang Tillmans (Moma, 320 págs.).
Uma série – The Defiant Ones.
Um filme com momentos –Triângulo da Tristeza, Ruben Östlund.
Outro – Titane, Julia Ducournau.
Outro – The Fabelmans, Steven Spielberg.
Um filme – Racionais, Juliana Vicente.
Um podcast – Mano Brown + Júlio Lancellotti.
Outro – Carlos, Erasmo no Discoteca Básica.
Uma edição – Pai Contra Mãe, Machado de Assis (Cobogó, 150 págs.).
Um texto – Juliana Albuquerque sobre Michel Gherman (aqui).
Um livro – PT, uma História, Celso Rocha de Barros (Companhia das Letras, 488 págs.).
Uma exposição – Cidades no IMS.
Uma reprise – Adeus à Linguagem, Jean-Luc Godard.
Um documentário ok – Basquiat: The Radiant Child, Tamra Davis.
Um single – Canção de Cansaço, Bruna Alimonda.
Um show – Milton Nascimento, 80.
Uma série – Som na Faixa.
Um filme catártico – Argentina, 1985, Santiago Mitre.
Uma exposição – Mauro Restiffe e Juan Araujo, Luisa Strina.
Um livro – Quando as Espécies se Encontram, Donna Haraway (Ubu, 416 págs.).
Um romance – Debaixo do Vulcão, Malcolm Lowry (Alfaguara, 388 págs.).
Um disco de 2017 – Soft Sounds from Another Planet, Japanese Breakfast.
Uma conversa de 1983 – Jorge O Mourão, Nelson Motta e Scarlet Moon (aqui).
Um perfil – Jorge O Mourão por Claudio Leal (aqui).
Uma reportagem – A extrema direita e o PDT, por Marie Declercq (aqui).
Um dos quatro filhos de Nick Cave morreu em maio último, aos 31 anos. Outro havia morrido em 2015, aos 15. É indevido especular sobre o reflexo dessas perdas nas letras do compositor e cantor australiano? No álbum Seven psalms, lançado no fim de junho, uma das faixas se chama Such things should never happen. Entre as coisas que não deveriam jamais acontecer, os versos falam de filhotes de andorinha indefesos, da mãe que chora ao lado de um pequeno caixão.
Texto publicado no Valor Econômico, 23-7-22, sobre Nick Cave e o romance Não Fossem as Sílabas do Sábado, de Mariana Salomão Carrara. Íntegra aqui.
Um depoimento – Heloisa Jahn (aqui).
Uma conversa – Mano Brown e Zeca Pagodinho (Spotify).
Uma exposição no Tomie Ohtake – Anna Maria Maiolino.
Outra – Tomie Ohtake.
Uma graphic novel – Flying Couch, Amy Kurzweil (Catapult, 224 págs.).
Um disco – Seven Psalms, Nick Cave.
Um filme – Crimes of the Future, David Cronenberg.
Uma série ok – Modern Love.
Uma entrevista – Leão Serva sobre guerra e imagens (aqui).
Um romance – Não Fossem as Sílabas do Sábado, Mariana Salomão Carrara (Todavia, 168 págs.).
Um livro – Morte e Vida de Grandes Cidades, Jane Jacobs (Martins Fontes, 508 págs.).
Um disco – Motomami, Rosalia.
Uma entrevista – Gilberto Gil, 80 (aqui).
Uma exposição no IMS/SP – Daido Moriyana.
Outra – Walter Firmo.
Um livro – Quando deixamos de entender o mundo, Benjamin Labatut (Todavia, 176 págs.).
Um doc/show – Shut Up and Play the Hits, Will Lovelace e Dylan Southern.
Um doc médio – Reading Susan Sontag, Nancy Kates.
Uma conversa – Susan Sontag e John Berger sobre ficção (aqui).
Uma entrevista – Robert Karo sobre biografias (aqui).
Uma palestra – Lourenço Mutarelli sobre desenho e narrativa (aqui).
Um disco – Avenida Angélica, Vitor Ramil.
Um filme convencional – King Richard, Reinaldo Marcus Green.
Um filme de 1985 – Debaixo do Vulcão, John Huston.
Um livrinho – How to Start Writing (and When to Stop), Wislawa Szymborska (New Directions, 96 págs.).
Uma série no Netflix – Trilogia Kanye.
Outra – Diários de Andy Warhol.
Um livro para consultar – Diários de Andy Warhol (L&PM, 851 págs.).
Um romance – Os Coadjuvantes, Clara Drummond (Companhia das Letras, 108 págs.).
Um filme médio – Quebrando o Gelo, Peter Flinth.
Uma reportagem – Sabrina Tavernise sobre os refugiados da Ucrânia (aqui).
Uma entrevista – Antonio Gelis filho sobre Putin e a Rússia (aqui).
Outra – Paulo Cesar Araújo sobre Roberto Carlos (aqui).
Um texto de 1972 – Pauline Kael sobre O Poderoso Chefão (aqui).
Uma reprise – A Professora de Piano, Michael Haneke.
Um filme – Licorice Pizza, Paul Thomas Anderson.
Um livro de contos – Visão Noturna, Tobias Carvalho (Todavia, 119 págs.).
Um podcast – 50 anos do Clube da Esquina (O Assunto).
Uma entrevista – Sérgio Miceli sobre Drummond e o Modernismo (Ilustríssima Conversa).
Uma entrevista sombria – Vladimir Putin a Oliver Stone (Nocaute).
Uma releitura – Confissões de uma Máscara, Yukio Mishima (Companhia das Letras, 225 págs.).
Um filme – Drive My Car, Ryusuke Hamaguchi.
Um filme ok – Spencer, Pablo Larraín.
Uma exposição em São Paulo – Tunga.
Uma entrevista – Eddie Vedder no NYT (aqui).
Um livro – As Raízes do Romantismo, Isaiah Berlin (Fósforo, 256 págs.).
Uma releitura – Pela Noite, Caio Fernando Abreu.
Um filme de 1978 – Tudo Bem, Arnaldo Jabor.
Um de 2009 – Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo, Karim Ainouz e Marcelo Gomes.
Um de 2005 – The Devil and Daniel Johnston, Jeff Feuerzeig.
Um lugar em São Paulo – Museu Judaico.
Um filme – The Tragedy of Macbeth, Joel Coen.
Outro – Tick, Tick… Boom, Lin-Manuel Miranda.
Uma entrevista boa a partir da metade – Guilherme Arantes no B3.
Uma releitura – Como Vencer um Debate sem precisar ter Razão, Arthur Schopenhauer (Topbooks, 258 págs.).
Um documentário – Get Back, Peter Jackson.
Um filme – Ataque dos Cães, Jane Campion.
Outro – Casa Gucci, Ridley Scott.
Um texto – Max Norman sobre W.G. Sebald (aqui).
Um livro – Caro Michele, Natalia Ginzburg (Companhia das Letras, 194 págs.).
Um ensaio – Survival of the Fireflies, Georges Didi-Huberman (Univocal, 112 págs.).
Um ensaio para reler – O artigo dos Vagalumes, Pier Paolo Pasolini.
Um livro de contos – Erva Brava, Paulliny Tort (Fósforo, 104 págs.).
Um podcast – Sam Anderson sobre Laurie Anderson no The Daily.
Um disco – Apocalip se, Zé Nigro.
Um disco – Síntese do Lance, Jards Macalé e João Donato.
Outro – Meu Coco, Caetano Veloso.
Uma exposição em Berlim – Suely Torres, Donnerstag Gallery.
Um doc pior que o seu tema – The Most Beautiful Boy in the World, Kristina Lindström e Kristian Petri.
Um filme – Adults in the Room, Costa-Gavras.