Michel Laub

Mês: abril, 2014

Inteligência entre aspas

“Cara Jenevieve, estou tendo um caso com uma mulher mais velha (…). O sexo é fantástico e acho que estou apaixonado. Mas existe outra complicação séria, que é a seguinte: ela é a minha avó!”

Assim começa “Lionel Asbo”, mais recente romance de Martin Amis (Companhia das Letras, tradução de Rubens Figueiredo). O personagem título, um delinquente vocacional que usa dois pitbulls como “ferramentas de trabalho”, ganha na loteria e é “tragado pela primeira página”.

Publicado na Folha de S. Paulo, 25/4/14. Íntegra aqui.

Fim de semana

Um livro – Formas de voltar para casa, Alejandro Zambra (Cosac Naify, 160 págs.).

Um texto teatral – Terra de ninguém, Harold Pinter.

Uma exposição – Eliane Arruda e Marcia de Moraes, Tomie Ohtake.

Um restaurante – Ton Ton.

Um aniversário – Girafito.

A moral do suor

Roland Barthes sobre o filme Júlio César (1953), de Joseph Mankievcz, em Mitologias (Difel, 256 págs., tradução de Rita Buongermino, Pedro de Souza e Rejane Janowitzer):

“O suor é também um signo. De quê? Da moralidade. Todos suam porque debatem algo consigo mesmos; supõe-se que estamos no local de uma virtude que se exerce dolorosamente, isto é, no próprio local da tragédia, e é o suor que deve deixa-la transparecer: o povo, traumatizado pela morte de César, depois pelos argumentos de Marco Antonio, transpira, combinando economicamente neste único signo a intensidade da sua emoção e a rudeza da sua condição. E os homens virtuosos, Brutus, Cassius e Casca, também não cessam de transpirar, testemunhando o enorme trabalho fisiológico que neles opera a virtude que irá gerar um crime. Suar é pensar (o que evidentemente repousa sobre um postulado característico de um povo de negociantes: pensar é uma ação violenta, cataclísmica, de que o suor é o signo menor). Em todo o filme um único homem não sua, conservando-se imberbe, inerte e estanque: César. Evidentemente, César, objeto do crime, permanece ‘seco’, pois ele não sabe, não pensa, conserva-se intacto, solitário e límpido, como deve sê-lo um testemunho.”

Feriado

Um ensaio – Joan Acocella sobre o Livro de Jó (http://goo.gl/GuGTrU)

Uma reportagem – Julia Duailibi sobre a Comissão da Verdade (Piauí).

Uma exposição saindo de cartaz – Coleção Ludwig, CCBB.

Uma peça que saiu de cartaz – Tríptico Beckett, dir. Roberto Alvim.

Um disco – Live from KCRW, Nick Cave.

Artificialmente natural

Numa cena conhecida de “Pulp Fiction”, de Quentin Tarantino, e numa tradução palatável para quem foi à recente marcha pela família, há um personagem que diz a outro, anunciando a vingança depois de uma briga um tanto peculiar: “Serei medieval em seu traseiro.”

Tarantino é considerado um mestre dos diálogos. A fama é endossada por espectadores do mundo todo, eu inclusive. Sempre lembro desse exemplo quando criticam personagens de um filme brasileiro com o argumento de que “ninguém fala daquele jeito”.

Texto publicado na Folha de S.Paulo, 13/4/2014. Íntegra aqui.

Fim de semana

Um livro – Lionel Asbo, Martin Amis (Companhia das Letras, 352 págs.)

Um depoimento entusiasmado – J.M.Coetzee sobre a beleza (http://goo.gl/ftJkOX).

Outro – Bernardo Carvalho sobre o Paquistão e a Índia (na Piauí).

Um filme – Inside Llewyn Davis, irmãos Coen.

Outro – Dallas buyers club, Jean-Marc Vallée.

Egopress

– Neste domingo, 11h30, participo de uma das mesas da Bienal de Brasília. Autores presentes e programação completa do evento: http://goo.gl/JzrOl8

Diário da queda acaba de ser publicado na Inglaterra (Harvill Secker, trad. de Margaret Jull Costa) e em Israel (Modan). Até outubro, o livro estará na França, Suécia, Noruega e Estados Unidos.

– Um conto meu saiu na coletânea La invención de la realidade, da Ediciones Cal Y Arena, com organização de Paula Parisot, publicada no México. O livro tem textos de outros 20 escritores brasileiros.

Por que viúvos gostam de ópera

Julian Barnes em Altos voos e quedas livres (Rocco, 127 págs., tradução de Léa Viveiros de Castro), livro sobre balonismo, fotografia e o luto por sua mulher Pat Kavanagh:

“Durante a maior parte da minha vida, essa tinha me parecido ser a forma menos compreensível de arte. Eu não compreendia realmente o que estava acontecendo (apesar de ler atentamente os resumos da história); tinha um certo preconceito contra aqueles piqueniqueiros de smoking que pareciam ser donos do gênero; mas acima de tudo eu não conseguia deixar minha imaginação voar. Óperas parecem peças inteiramente implausíveis e mal construídas, com personagens berrando ao mesmo tempo na cara um dos outros. O problema inicial – o de compreensão – foi resolvido pela introdução de traduções projetadas acima do palco. Mas agora, na escuridão de um auditório e na escuridão do luto, a implausibilidade do gênero de repente desapareceu. Agora parecia natural que as pessoas entrassem no palco e cantassem umas para as outras, porque a música era uma maneira mais primitiva de comunicação do que a palavra falada – ao mesmo tempo mais alta e mais profunda. Em Don Carlo, de Verdi, o herói acabou de conhecer sua princesa francesa na floresta de Fontainebleau e já está de joelhos cantando: “Meu nome é Carlo e eu te amo”. Sim, pensei, está certo, é assim que a vida é e deveria ser, vamos nos concentrar no que é essencial. É claro que a ópera tem um enredo (…), mas sua função principal é levar os personagens o mais rápido possível ao ponto em que eles possam cantar a respeito de suas emoções mais profundas. A ópera vai direto ao ponto, assim como a morte (…). Aqui estava meu novo realismo social.”

Fim de semana

Um livro – Altos voos e quedas livres, Julian Barnes (Rocco, 127 págs.).

Um ensaio – Philip Seymour Hoffman por Anthony Lane (http://goo.gl/i0oiPn)

Um filme – Entre nós, Paulo Morelli.

Uma temporada, tirando a primeira metade do último capítulo – True Detective.

Uma exposição – Fotos de escravos no Frei Caneca.