Michel Laub

Egopress

– No dia 17/5, às 13h, estarei numa live do Fala Brasil, evento sobre língua portuguesa promovido pelo Instituto Guimarães Rosa/Embaixada Brasil-Peru (transmissão pelo You Tube).

– Em 17/6, participo do evento Vociferarte, do Instituto Vox, em São Paulo (horário e local a confirmar).

– Tese de doutorado de Naiara Alberti Moreno, da Unesp, sobre o conceito de romance de formação aplicado pela crítica aos meus livros: https://cutt.ly/C5lJhea

– Dissertação de mestrado de Leila Aparecida Cardoso de Freitas Lima, da UFMS, sobre os “narradores protagonistas” em Diário da Queda e A Maçã Envenenada: https://cutt.ly/v5lGOw0

– Dissertação de mestrado de Saulo Scariot, também da UFMS, sobre “memórias literárias” no Diário da Queda: https://cutt.ly/N5lHkiY

– Dissertação de mestrado de Cláudia Aparecida Dans Dias, do Mackenzie, sobre autoficção em Diário da Queda: https://shorturl.at/qtNV3

– Texto de Luiz Lopes, do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, sobre literatura, memória e esquecimento no Diário da Queda, publicado na revista Estudos Linguísticos e Literários, da Universidade Federal da Bahia: https://cutt.ly/O5lHBQE

– Sou um dos autores analisados no livro Uma literatura inquieta: memória, ficção, mercado, ética, de Lucia Helena e Paulo César S. de Oliveira (Editora Caetés).

– Resenha da revista The New Yorker sobre O ar que me falta, de Luiz Schwarcz, com um trecho falando de Diário da Queda: https://shorturl.at/MVWY7

– Depoimento meu numa campanha internacional de artistas em apoio às vítimas da guerra na Ucrânia, matéria da RTVE (Espanha): https://shorturl.at/gCFIS

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Fim de semana

Uma exposição em SP – África, Museu da Imigração.

Outra – Hélio Oiticica, Casa SP-Arte.

Uma terceira – Evandro Teixeira, IMS.

Um documentário – Straight to You, Nanni Jacobson (aqui).

Um texto – Rebecca Fishbein sobre psicanálise, linguagem e egoísmo (aqui).  

Como derrotar o monstro

Em abril de 2013, quando fiz 40 anos, publiquei na Folha de S.Paulo uma lista de coisas que julgava ter aprendido com o tempo. Em meio às frases de efeito que eu gostava de usar na época, um dos itens do texto traz uma ideia que hoje soa como piada: a de que a tecnologia digital seria só um meio, e que em “90% dos casos” daria para “se adaptar a ela no que importa”.

Quem escreveria isso em 2023? Na última década fomos mergulhados no vale da morte das redes sociais, o que foi decisivo em eleições apertadas de países como os Estados Unidos e o Brasil. O otimismo possível diante desse cenário virou uma pergunta que por enquanto é só teórica: se o aparato das grandes plataformas digitais foi criado por humanos para moldar/ressaltar o comportamento de outros humanos, não estaria na humanidade a prerrogativa de controlar o monstro? Ou seja, de voltar a fazer com que ele seja um instrumento a favor da emancipação individual, da diversidade cultural e econômica, o que em escala maior favorece a democracia?

Os trechos mais sombrios de A Máquina do Caos, do jornalista americano Max Fisher (Todavia, 512 páginas, tradução de Érico Assis), mostram como isso seria difícil. Fundado num trabalho excepcional de apuração, que entrevistou ex-funcionários das Big Techs, hackers, ativistas e vítimas de horrores virtuais/reais, além de reconstituir os debates de ponta sobre o tema nas ciências exatas e humanas, o livro organiza informações, joga luz sobre episódios conhecidos e acaba montando um panorama vasto, a descrição de como os ideais dos anos 1960 – o DNA de quem fez o Vale do Silício – levou a um modelo de financiamento de alto risco, avesso a regulações internas e externas que ameacem os dogmas da liberdade antissistema.

Parece só uma escolha entre as possíveis no capitalismo, mas os efeitos culturais dela vão muito além. Alto risco gera necessidade de alto retorno, o que por sua vez cria a missão hoje adotada por todas as empresas do ramo: manter as pessoas o maior tempo possível online, maximizando os ganhos com anúncios e uso de dados. O que ocorreu nos últimos anos passa, antes de mais nada, por questões técnicas decorrentes dessa lógica quantitativa. A radicalização da misoginia nas redes, por exemplo, que também está na raiz dos fenômenos Trump e Bolsonaro, seguiu a percepção de que no mundo dos jogos eletrônicos a maioria a ser contemplada com sugestões de conteúdo atraente – aquele que desperta interesse com iscas identitárias – era composta por homens jovens com dificuldades na vida social.

Já o massacre étnico de Myanmar, que vitimou estimados 25 mil muçulmanos a partir de 2016, não teria ocorrido sem um projeto de expansão mercadológica. O Facebook entrara no país no início da década, tornando-se a principal fonte de informação onde não havia registro de ódio interno em tal escala. A plataforma não tinha interesse nas mortes em si, mas se recusou a fazer qualquer coisa a respeito delas porque isso diminuiria o lucro. “As empresas de cigarro levaram meio século (…) para admitir que seus produtos causavam câncer”, escreve Fisher sobre o precedente que então poderia ter sido aberto. “O Vale do Silício reconheceria de mão beijada que seus produtos podiam causar sublevações, incluindo até um genocídio?”

Trecho de texto publicado no Valor Econômico, 20/4/1973, sobre o livro de Max Fisher e o ensaio Formas Intermediárias, de Olavo Amaral. Íntegra aqui.

Fim de semana

Um filme – Turn Every Page, Lizzie Gottlieb

Uma série que é melhor não ver – Voo 37: o Avião que Desapareceu.

Uma peça – Pagu, Martha Nowill.

Um texto na Piauí – Olavo Amaral sobre Inteligência Artificial.

Outro – João Batista Jr sobre chemsex.

Fim de semana

Um ensaio – Olga Tokarczuk sobre narradores sensíveis (em Escrever é Muito Perigoso, Todavia, 264 págs.).

Outro – Juliana Cunha sobre perigos da leitura (aqui).

Um terceiro – Stephen Marche sobre escritores e fracasso (aqui)

Um curso – José Miguel Wisnik sobre contos morais.

Um filme simpático – The Man who Saved the Game, Austin e Meredith Bragg.

Poesia em pó

Uma língua varia muito de país para país onde é falada. A região x de uma cidade não usa as gírias da região y. Taxistas não se expressam como advogados, adultos não entendem coisas que adolescentes dizem. No limite, lembra o escritor, tradutor e professor curitibano Caetano Galindo, referindo-se ao que a linguística chama de idioleto, “cada pessoa fala uma versão singular do idioma.”

A frase faz parte de Latim em Pó, ótimo livro de divulgação que resume a longa história do português que usamos no dia-a-dia (Companhia das Letas, 228 págs.). Galindo passa por Europa, África e Américas, dando conta das influências, adaptações e controvérsias em torno do idioma que nasceu do galego, que veio do latim da região do Lácio, que herdou resquícios do protoindo-europeu (origem também do grego e do sânscrito).

Há muitas passagens curiosas no texto. Por exemplo, sobre a trajetória cultural/política de certas palavras e marcos de prosódia. “Esquerdo”, que parece o basco “ezker”, surge de uma substituição que é comum em termos contaminados pelo tabu, desviando o caminho que entre nós daria no latino “sinistro”. Já o “rótico retroflexo”, ou erre caipira, é fruto da urbanização brasileira e seus intercâmbios com a cultura rural de migrantes, ou da força econômica de fenômenos recentes como o agro – uma expressão que dominou outras normas regionais até chegar à fala de rappers e filhos da classe média nas cidades.

É a ideia do idioleto, contudo, que pego emprestada nesta coluna cujo objeto é literário. Um dos paradoxos da língua, com todas as voltas milagrosas que nos faz vivermos mediados por ela em sociedade, é que num nível muito essencial a comunicação entre emissor e receptor nunca será completa. Algo ainda mais visível em gêneros onde o detalhe é decisivo, como a poesia: aqui tudo é submetido ao que Tom Zé chama de “unimultiplicidade”, condição em que “cada homem é sozinho/ a casa da humanidade”.

Trecho de texto publicado no Valor Econômico, 25-2-23, sobre Caetano Galindo e o novo romance de JM Coetzee, O Polaco. Íntegra aqui.

Fim de semana

Uma exposição no Rio – Miguel Rio Branco, IMS.

Uma em SP – Adriel Visoto, Verve.

Uma série de fotos – Tina Barney (aqui).

Um livro – A Máquina do Caos, Max Fisher (Todavia, 512 págs.).

Um podcast – Brasil para Maiores, Marie Declercq e Tiago Dias.

O grande tagarela

Já contei neste espaço que servi no CPOR de Porto Alegre. Foi em 1992, ano do impeachment de Collor, da conferência internacional do clima no Rio de Janeiro e da demarcação das terras Yanomami. No pelotão havia um jornalzinho, eu era um dos editores, e nessas páginas lidas trinta anos depois encontro excertos do pensamento militar médio da época: nós fazíamos entrevistas em que o personagem da edição dava respostas breves, seguras o bastante para não causar problemas com a cúpula do quartel.

Assim, dá para dizer que oficiais da ativa de então – no caso, tenentes e majores que entrevistamos – se sentiam à vontade para falar publicamente de democracia (“é muito boa se funcionar”), ecologia (“importante, mas estão espetacularizando demais”), Amazônia (“eu queria ter o padrinho que os índios têm”). Diante da pergunta “qual o maior problema do Brasil e qual a solução?”, um deles retomou o tema mais sensível nos discursos que passamos o ano ouvindo tristemente, entre faxinas, guardas e sessões de Ordem Unida: “Salário dos militares. Aumento”.

O preâmbulo pessoal não é por acaso. O CPOR é uma espécie de versão resumida das Agulhas Negras, a academia que forma o oficialato brasileiro. No debate sobre a presença fardada excessiva em governos recentes, é na própria mentalidade da caserna – sua autoimagem, seu papel político autoimposto – que está parte dos argumentos. Como lembra o ótimo Poder Camuflado, do jornalista Fabio Victor (Companhia das Letras, 446 págs.), as Forças Armadas se veem como tutoras da sociedade brasileira desde a fundação da República: às vezes na linha de frente, às vezes nos bastidores, nunca como o que a tradição francesa de tropas profissionais chama de “o grande mudo”.

Trecho de texto publicado no Valor Econômico, 10/3/23. Íntegra aqui.

Fim de semana

Um filme – All the Beauty and the bloodshed, Laura Poitras.

Um podcast – Rio Memórias.

Um livro de fotografia – Atlas, Gerhard Richter (dap, 862 págs.).

Um livro de contos – Filho de Jesus, Denis Johnson (Todavia, 112 págs.).

Um texto – Daniel Galera sobre Denis Johnson e reconciliação (aqui).

Fim de semana

Uma exposição – Marc Chagall, CCBB.

Um disco – This is Why, Paramore.

Um filme ruim – A Baleia, Darren Aronofsky.

Um artigo – O NYT, a aids e a transfobia (aqui).

Um livro – Poder Camuflado, Fabio Victor (Companhia das Letras, 446 págs.).

Como escrever sobre répteis

Em 2001, o jornalista inglês Jon Ronson publicou um livro curioso, Them, sobre a experiência de acompanhar líderes e grupos fanatizados mundo afora – de jihadistas a soldados da Ku Klux Klan, de protestantes que rejeitaram os acordos de paz na Irlanda a combatentes da suposta casta que controlaria guerra, peste e fome no mundo.

Digo curioso não só pelas histórias relatadas, mas pelos efeitos delas sobre o leitor da época. Sempre há um componente trágico no extremismo, tanto em relação a suas vítimas quanto ao caminho sem volta de quem o encarna, mas também pode haver comédia na obsessão, no exotismo detalhista com que são criadas algumas dessas teorias.

A fronteira entre os dois registros depende do contexto cultural. Não há nada de engraçado no supremacista branco que transpira ódio numa das entrevistas feitas por Ronson, mas é difícil não rir do ex-jornalista que acredita na abdução da humanidade por uma gangue alienígena de répteis. Dizendo-se a nova encarnação do filho de Deus, ele responde a quem desconfia de sua autoridade ao divulgar uma lista de ETs disfarçados na qual há nomes como George W. Bush, Bob Hope e a família real britânica: “Diziam o mesmo de Jesus Cristo: quem diabos é você, o filho de um carpinteiro?”.

Them é o retrato de um mundo anterior ao Onze de Setembro, às redes sociais, aos smart phones e seus desdobramentos conhecidos em eleições de anos recentes. Se isso permitia olhar para parte dos personagens do livro até com condescendência, já que os efeitos do pensamento deles eram no geral localizados (e nem sempre geravam violência), fazer piada em cima desse universo hoje é entrar numa zona ambígua. Numa época que se tornou estupidamente literal, a ironia pode ser uma forma de protesto – ou, como qualquer sutileza diante de fenômenos que pedem informação e indignação às claras, um modo de conivência com o horror.

Trecho de texto publicado no Valor Econômico, 28/1/2023. Íntegra aqui.

Fim de semana

Um livro – Latim em Pó, Caetano Galindo (Companhia das Letras, 232 págs.).

Um disco – Língua Brasileira, Tom Zé.

Uma entrevista meio velha-guarda – Salman Rushdie na NY Radio Hour.

Uma série meio histérica – The Bear.

Um filme – A Ilha de Bergman, Mia Hansen-Løve

O que incomoda em Machado

Numa entrevista de 2018, o poeta e professor Ítalo Moriconi comentou sobre o efeito das mudanças sociais das últimas décadas nas aulas do curso de letras da UFRJ. Lá há um número grande e bem-vindo de estudantes contemplados por bolsas e ações afirmativas, o que redefiniu a visão até então comum sobre certos clássicos da ficção brasileira.

O caso mais curioso é o de Machado de Assis. Uma parte considerável dos novos alunos é evangélica, e para ela a ironia laica do autor – com suas histórias bíblicas citadas de maneira enviesada, por exemplo – não é elogiada como valor. “Brás Cubas é muito cético para eles”, diz Moriconi. “Eles no fundo esperam da literatura algo edificante”.

É fácil considerar filistina esse tipo de visão, já que lições de moral e suas variantes não costumam ser associadas com qualidade literária, mas o fato é que a recepção de um romance, conto ou poema depende muito do vai-e-vem das guerras culturais. O próprio Machado, que por algumas décadas foi visto como escritor algo alienado, tão oficialesco quanto o seu busto de fundador da ABL, mudou de imagem nos anos 1960 graças a estudos como os da feminista Helen Caldwell e do marxista Roberto Schwarz.

Ambos partiram de questões formais, em especial a escolha da perspectiva em primeira pessoa, para mostrar que em Memórias Póstumas de Brás Cubas e Dom Casmurro havia um componente subversivo, entrelinhas que diziam o contrário do sugerido pelo valor de face de cada texto. No primeiro caso, a insensibilidade volúvel do narrador defunto, dândi e rentista também é uma crítica à elite em meio à qual ele viveu. No segundo, é a subjetividade radical de Bentinho que ilumina a dúvida sobre o comportamento de Capitu.

Se o critério for a percepção da ironia nesses romances, seu poder de gerar dúvidas narrativas e inquietações políticas, a leitura dos alunos da UFRJ é semelhante às de Caldwell e Schwarz. O que muda, claro, é o juízo de valor sobre o que a ironia acaba gerando. Guerras culturais servem também para isso: determinar quais ataques à sociedade são aceitos, quais utopias – as revolucionárias, as reacionárias – que devem se opor ao imobilismo cético.

Trecho de texto sobre Machado de Assis, Bianca Santana e Aline Motta, publicado no Valor Econômico, 10-1-23. Íntegra aqui.

Fim de semana

Um livro – O Peso e a Graça, Simone Weil (Chão de Feira, 224 págs.).

Outro – El Polaco, J.M. Coetzee (El Hilo de Ariadna, 144 págs.).

Um texto – Ricardo Balthazar sobre Janio de Freitas na Piauí.

Um filme – Tár, Todd Field.

Um depoimento – João Barone para Bruna Paulin no História do Disco.

O jorro na varanda

Não lembro muito da primeira vez que li À Procura do Tempo Perdido. Eu tinha uns vinte anos, uma lista de clássicos que me obriguei a conhecer, e com esse impulso enfrentei dois dos sete volumes meio memorialísticos, meio ficcionais que tornaram Marcel Proust um autor inescapável do Século 20. Ficou pouca coisa do enredo e dos personagens, além de uma sensação comum na época: o reconhecimento do valor estético de um texto misturado ao orgulho de cumprir uma tarefa.

Voltei a Proust na virada do ano, aproveitando a nova edição de À Procura… pela Companhia das Letras, numa leitura menos inocente (e inocentemente programática) de Para o Lado de Swann, o primeiro livro da série (432 págs., tradução, introdução e notas de Mario Sergio Conti). Da primeira vez eu tinha mais pretensão que fôlego/repertório para entender as nuances de uma prosa densa, radical em sua ambição totalizante. Agora, a meia idade me faz ver de outro modo a relação entre a psicologia do narrador e um conceito subjetivo de tempo.

Início de texto publicado no Valor Econômico, 13/1/2023. Íntegra aqui.

Fim de semana

Uma exposição no MASP – Judith Lauand.

Outra – Madalena Santos Reinbolt.

Um podcast – Kafka no History of Literature.

Uma reportagem – James Daunt e a Barnes & Noble (aqui).

Um livro – A Água É Uma Máquina do Tempo, Aline Motta (Círculo de Poemas, 144 págs.).

Fim de semana

Um filme – The Banshees of Inisherin, Martin McDonagh.

Um filme com momentos – Ruído Branco, Noah Baumbach.

Um podcast – Revolução iraniana no História FM.

Outro – Gloria Maria no Mano a Mano.

Uma série – Extremistas.br.

Mundos que acabam

“Nós somos jovens e orgulhosos”, escreve o crítico Jason Farago, do New York Times, imaginando o que dizem personagens de uma fotografia de 2001 do alemão Wolfgang Tillmans. Nela há homens gays à porta de um galpão transformado em clube noturno, esperando para viver o que era comum na Berlim do período pós-queda do Muro, pré-11 de Setembro e crise de 2008: “Não há mais controle de fronteiras (…). Nós estamos prontos para dançar e fazer outras coisas no escuro. A festa segue depois do amanhecer, e parece que pode durar para sempre.”

Tillmans acaba de ganhar uma retrospectiva no Moma, To Look Without Fear. É uma homenagem que aponta para o futuro, valorizando ainda mais um artista fundamental da vida urbana europeia das últimas décadas, mas também fala de um mundo que acabou: pessoas que se foram, tecnologias obsoletas, otimismo superado. Como escreve Farago em seu artigo, os 35 anos cobertos pela mostra flagram “a ascensão de um fotógrafo ao topo de seu ofício, e em seguida a desintegração de quase tudo que ele ama”.

(…)

Li o texto de Farago pouco depois de terminar História(s) do Cinema, magnífico poema longo de Jean-Luc Godard lançado agora no Brasil pela Círculo de Poemas (192 págs., tradução de Zéfere). Há um parentesco entre a sugestão de obsolescência da mostra de Tillmans e as considerações explícitas do cineasta franco-suíço. A diferença é que o objeto em desintegração aqui não é a fotografia, e sim sua arte irmã, que também ajudou a moldar o imaginário do século 20.

Godard não está preocupado com cronologia, e sim com as características que tornaram o cinema culturalmente importante – as mesmas que, daria para dizer, hoje o põem em outro tempo e lugar. Há várias menções temáticas no poema –  clássicos sobre sexo, beleza e guerra, dirigidos por nomes que vão de Méliès a Spielberg –, mas tudo é submetido ao mesmo sentido de origem. Que é também um sentido de forma, aqui resumido no tom característico – um pouco solene, um pouco irônico – do autor: “O cinema não faz parte/ da indústria/ da comunicação/ nem da do espetáculo/ mas da indústria de cosméticos/ da indústria das máscaras/ que por sua vez é apenas/ uma pequena sucursal/ da indústria da mentira”.

História(s)… foi escrito nos anos 1990, e é curioso ler trechos assim na era das redes sociais. A indústria das máscaras continua forte como nunca, mas seu setor de ponta – o que dá mais dinheiro aproveitando a tecnologia mais avançada – foi deslocado para o celular. O que restou das velhas salas de projeção, onde multidões pagavam para ver conteúdo não-interativo numa tela grande, são sombras de um (outro) mundo extinto: nele havia “uma margem/ de indefinição” capaz de “negar/ o vazio/ e também o olhar/ do vazio sobre nós”, algo utópico no atual regime de estímulos incessantes.

Trechos de texto publicado no Valor Econômico, 9/12/22. Íntegra aqui.

Fim de semana

Um lugar em SP – Museu das Favelas.

Outro – Museu Catavento.

Uma exposição – Fotógrafas no Museu Judaico.

Um filme – Aftersun, Charlotte Wells.

Uma conversa – Ugo Giorgetti x Inacio Araújo (aqui).

Fim de semana

Uma entrevista – Pelé, 1997 (aqui).

Uma entrevista estranha – Volodimyr Zelensky para David Letterman.

Um documentário simpático – Dunas do Barato, Olívio Petit.

Um filme – A Mãe, Cristiano Brulan.

Uma nova edição – À Procura do Tempo Perdido, Marcel Proust (Companhia das Letras, 448 págs.).

Fim de semana

Um catálogo – To Look Without Fear, Wolfgang Tillmans (Moma, 320 págs.).

Uma série – The Defiant Ones.

Um filme com momentos –Triângulo da Tristeza, Ruben Östlund.

Outro – Titane, Julia Ducournau.

Outro – The Fabelmans, Steven Spielberg.

Fim de semana

Uma série – Funk.doc.

Um podcast – A Terceira Margem do Reno.

Um artigo – Sally Rooney sobre Joyce (aqui).

Outro – Collin Marshall sobre Coetzee e a língua inglesa (aqui).

Um livro – O Jovem, Anne Ernaux (Fósforo, 56 págs.).

Fim de semana

Um filme – Racionais, Juliana Vicente.

Um podcast – Mano Brown + Júlio Lancellotti.

Outro – Carlos, Erasmo no Discoteca Básica.

Uma edição – Pai Contra Mãe, Machado de Assis (Cobogó, 150 págs.).

Um texto – Juliana Albuquerque sobre Michel Gherman (aqui).

Arestas e controle

Ficou famosa a carta que Malcolm Lowry enviou a um editor, como resposta a uma sugestão de corte em Debaixo do Vulcão, justificando a necessidade de preservar cada palavra dele. Lendo o romance, o argumento faz sentido, embora o texto deixe arestas e desvios em seu rastro. Impressão diversa fica de Diorama, novo livro de Carol Bensimon, em que o controle narrativo faz as ações e a psicologia soarem mais constantes, coerentes entre si.

(…)

Li o romance de Lowry ao longo de meses, com pausas devidas à confusão do dia-a-dia e ao fôlego exigido pela imersão em sua prosa. Já o de Carol eu terminei em uma semana: não só pelo interesse na versão que o livro dá ao crime célebre, cuja reconstituição traz à tona o “lodo da história do Brasil”, mas porque ele funde o peso político de suas conclusões à leveza da intriga. A qualidade do texto é também sua estrutura: capítulos que terminam com ganchos, referências que voltam com um novo significado, diálogos que se alternam com descrições e ensaísmo sem perder o pulso da trama.

Trecho de texto sobre os dois livros citados, publicado no Valor Econômico, 2-10-22. Íntegra aqui.

Lágrimas na caçamba

Assisti a 34 das 38 partidas do Grêmio na Segunda Divisão de 2022. Não sei por que fiz isso comigo mesmo, ou melhor, sei: algo da melancolia dessa jornada, vivida entre imagens de lances bisonhos em estádios no geral vazios, remete às profundezas da infância e da adolescência. Sempre que tentei largar o futebol – uma convenção que gera mais angústia e raiva do que eventuais alegrias –, percebi como é difícil dizer adeus ao que fomos e, em alguns aspectos, ainda somos.

A Copa do Mundo, nesse sentido, é praticamente um outro mundo. Embora seja excitante em seus próprios termos, ao espetáculo luminoso do Catar faltam ingredientes sem os quais a convenção me diz pouco: entre eles a nostalgia da precariedade, o fascínio pelo sofrimento. A sucessão de jogos de alto nível praticados por estrelas multimilionárias, cujas trajetórias independem da paisagem afetiva das arquibancadas brasileiras, parece mais um exemplo do que nosso tempo não cansa de fazer – direcionar emoções primárias/inocentes para fins econômicos, aqui agenciados pela FIFA em seus enclaves mafiosos.

Trecho de resenha de A Falta, de Xico Sá, e outros livros de ficção sobre futebol. Publicado no Valor Econômico, 25-11-22. Íntegra aqui.

Poder e futuro

“O poder não se toma, se constrói”. A frase, muito ouvida em debates de intelectuais petistas nos anos 1980 e 1990, é citada num trecho de “PT – Uma história”, do sociólogo Celso Rocha de Barros, que comecei a ler na semana anterior ao segundo turno (Companhia das Letras, 488 págs.).

Difícil não pensar nela depois da vitória de Lula, quando vimos uma espécie de apocalipse cognitivo em protestos nas estradas, nas cidades. Um grupo chora e canta para comemorar a suposta prisão de Alexandre de Moraes. Uma evangélica reza ao saber que foi decretado o Estado de Defesa. Nada disso teria chance de ocorrer num ambiente conservador quinze, talvez dez anos atrás – não com personagens usando essa linguagem, mostrando essa percepção da realidade.

Como surgiu o atual extremismo? Há explicações para todo gosto, indo do marxismo ortodoxo (que falará das crises econômicas, dos paradoxos do capitalismo tardio que criou a Internet) ao tecnicismo psicologizante (para quem o vilão é apenas o Whatsapp ou o Tik Tok, com seus efeitos histéricos que independem de contexto). O mais provável é que a resposta seja mista: há razões estruturais para a descrença nas instituições representativas, mas também certa aleatoriedade no ambiente onde ela se expressa – uma forma de comunicação inédita, que obedece a lógicas às vezes imprevistas até por quem projeta algoritmos e plataformas.

De um modo ou de outro, o resultado é um fato político incontornável: na clássica definição de Hannah Arendt, o debate público foi em boa parte sequestrado pela ralé – os refugos de diferentes classes que rejeitam a democracia, substituindo-a por uma utopia reacionária gerida por estímulos emocionais incessantes. Para furar essa bolha o mero resultado econômico talvez não baste – até porque porcentagens em índices abstratos, como costumam ser os da área em épocas não tão miseráveis nem tão abundantes, dependem de narrativas que as embalem para o público leigo.

Resta então o campo de batalha cultural, no sentido amplo do termo. É disso que fala o livro de Rocha de Barros, a partir de um levantamento minucioso de dados técnicos e informações conjunturais. Porque a história do PT, do início nos estertores da ditadura até os piores momentos entre 2013 e 2022, confunde-se com a formação da sociedade civil como a conhecemos na Nova República. Sem o trabalho miúdo de conscientização, que uniu setores como sindicatos, esquerda religiosa, movimentos sociais e classe média instruída, não haveria a mudança de condições para que um operário chegasse três vezes à presidência num país autoritário e injusto.

Trecho de texto publicado no Valor Econômico, 11-11-2022. Íntegra aqui.

Fim de semana

Uma reportagem – Elon Musk e o caos (aqui).

Uma entrevista de 1995 – Gal Costa (aqui).

Um ensaio – Um Estranho no Vilarejo, James Baldwin (Serrote #26).

Um posfácio – Nuno Ramos sobre Beckett em Murphy (Companhia das Letras, 272 págs.).

Um filme – Armageddon Time, James Gray.

Fim de semana

Um livro – PT, uma História, Celso Rocha de Barros (Companhia das Letras, 488 págs.).

Uma exposição – Cidades no IMS.

Uma reprise – Adeus à Linguagem, Jean-Luc Godard.

Um documentário ok – Basquiat: The Radiant Child, Tamra Davis.

Um single – Canção de Cansaço, Bruna Alimonda.

Fim de semana

Um show – Milton Nascimento, 80.

Uma série – Som na Faixa.

Um filme catártico – Argentina, 1985, Santiago Mitre.

Uma exposição – Mauro Restiffe e Juan Araujo, Luisa Strina.

Um livro – Quando as Espécies se Encontram, Donna Haraway (Ubu, 416 págs.).

Fim de semana

Um livro – O Não Judeu Judeu, Michel Gherman (Fósforo, 192 págs.).

Uma conversa – J. Hoberman, Claire Denis e Adam Shatz sobre Godard (aqui).

Um depoimento – Nei Lisboa sobre a carreira (aqui).

Outro – Daniel Pellizzari sobre o Século IV (aqui).

Um filme ocidental – Anna Karenina, Joe Wright.

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