Michel Laub

Mês: setembro, 2019

Fim de semana

Um show – Vitor Ramil + Angélica Freitas.

Um disco – i,i, Bom Iver.

Um filme – Rainha de Copas, May el-Toukhy.

Um filme anacrônico – Yesterday, Danny Boyle.

Um livro de poesia – As Durações da Casa, Julia de Sousa (7 Letras, 80 págs.).

Fim de semana

Uma exposição – Alfons Mucha, Fiesp.

Um disco – Free, Iggy Pop.

Um espetáculo bem Zé Celso – Roda Viva.

Um livrinho – A Doença e o Tempo, Eduardo Jardim (Bazar do Tempo, 80 págs.).

Um documentário longo – Frank Sinatra, All or Nothing at All.

A escuridão

A Segunda Vinda, de W.B. Yeats, tradução de Paulo Vizioli (Em Poemas, Companhia das Letras, 160 págs.)

Rodando em giro cada vez mais largo,
O falcão não escuta ao falcoeiro;
Tudo esboroa; o centro não segura;
Mera anarquia avança sobre o mundo,
Maré escura de sangue avança e afoga
Os ritos da inocência em toda parte;
Os melhores vacilam, e os piores
Andam cheios de irada intensidade.

Aí vem por certo uma revelação.
Por certo próxima é a Segunda Vinda.
Segunda Vinda! Digo essas palavras,
E do Spiritus Mundi vasta imagem
Turba-me a vista: ao longe, no deserto,
Um corpo de leão com rosto de homem,
O olhar vazio e duro como o sol,
As lerdas coxas move, enquanto em torno
Rondam sombras de pássaros coléricos.
Retorna a escuridão; mas ora eu sei
Que a vinte séculos de sono pétreo
Vexou o pesadelo de um bercinho;
E que rude animal, chegado o tempo,
Arrasta-se a Belém para nascer?

 

The Second Coming

Turning and turning in the widening gyre
The falcon cannot hear the falconer;
Things fall apart; the centre cannot hold;
Mere anarchy is loosed upon the world,
The blood-dimmed tide is loosed, and everywhere
The ceremony of innocence is drowned;
The best lack all conviction, while the worst
Are full of passionate intensity.

Surely some revelation is at hand;
Surely the Second Coming is at hand.
The Second Coming! Hardly are those words out
When a vast image out of Spiritus Mundi
Troubles my sight: somewhere in sands of the desert
A shape with lion body and the head of a man,
A gaze blank and pitiless as the sun,
Is moving its slow thighs, while all about it
Reel shadows of the indignant desert birds.
The darkness drops again; but now I know
That twenty centuries of stony sleep
Were vexed to nightmare by a rocking cradle,
And what rough beast, its hour come round at last,
Slouches towards Bethlehem to be born?

Sutileza e grito

O que um romance político pode oferecer num país tão saturado de narrativas políticas? Há várias maneiras de enfrentar o problema, com suas óbvias gradações de intensidade e resultados. Uma delas é a aposta no discurso enviesado, mais estético do que sociológico, em que nas frestas de uma história individual enxergamos relances do que somos coletivamente.

É o caso de Cancún, estreia no gênero do carioca Miguel Del Castillo (Companhia das Letras, 166 págs.). Enquanto lida com a gravidez da mulher e a morte do pai, figura misteriosa envolvida com lavagem de dinheiro na cidade que dá título ao livro, um protagonista por volta de 30 anos rememora a juventude de classe média alta no Rio dos anos 1990: a rotina na escola, a inadequação da puberdade, a experiência com um grupo de estudantes que frequentava uma igreja evangélica.

Com eventuais traços autobiográficos, o livro junta pontas dramáticas diversas sob um único guarda-chuva: o de uma história de fragilidade masculina, de busca por uma afirmação acidentada que tem ressonâncias não apenas internas, relativas ao personagem. É nesse ponto que surge a política, apenas sem engajamento literal. Na realidade da ficção, e no modo como ela espelha a realidade aqui de fora, iluminam-se mecanismos de pertencimento social – via instituições como igreja e família – com nuances mais delicadas do que sugeririam acusações diretas de classe e gênero.

Se Cancún procura a sutileza, Marrom e Amarelo (Alfaguara, 168 páginas) é um soco no leitor. Décimo terceiro título do gaúcho Paulo Scott, seu enredo usa um expediente cronológico semelhante ao de Castillo: partir de um gatilho ocorrido na vida adulta do narrador – a prisão de sua sobrinha num protesto de estudantes – para revisitar um passado incômodo. No caso, o de um sujeito visto como branco enquanto era criado ao lado do irmão negro na Porto Alegre dos anos 1980.

Diferentemente de Cancún, em Marrom e Amarelo a política tem expressão ficcional aberta. Scott faz com que ela grite na trama, como elemento constante e corrosivo das relações íntimas e públicas. Seu narrador é um antigo militante de esquerda que integra a comissão de um governo distópico encarregada de discutir as cotas raciais no país. Os debates burocráticos/idealistas/equivocados de Brasília contrastam com a violência simbólica e real que o personagem sempre enxergou – e continuará enxergando quando, ao tentar ajudar a sobrinha, mais uma vez constatar a simbiose entre a discriminação no dia-a-dia da sociedade e a discriminação oficial de polícia e justiça.

Trecho inicial de texto publicado no Valor Econômico, 13/9/2019. Íntegra aqui.

Fim de semana

Um artigo – a autobiografia de Prince (aqui).

Uma conversa – Sidarta Ribeiro e Bruno Torturra (aqui)

Um disco pop – Norman Fucking Rockwell, Lana Del Rey.

Uma edição – Francisco Alvim, 80 anos (Quelônio, 30 págs.).

Um romance – Meu Ano de Descanso e Relaxamento, Otessa Moshfegh (Todavia, 240 págs.).

Fim de semana

Um filme – Era uma Vez em Hollywood, Quentin Tarantino.

Um filme com questões – Bacurau, Kleber Mendonça e Juliano Dornelles.

Uma exposição no MAR/Rio – Rosana Paulino.

Outra – O Rio dos Navegantes.

Um livro – Cancún, Miguel Del Castillo (Companhia das Letras, 168 págs.).