O começo e o fim

por Michel Laub

Mas A Nudez da Cópia Imperfeita não é um texto direto de vingança. Schwartz é um artista, e é como tal que consegue falar do trauma, elaborando-o como um oposto daquilo que seus candidatos a algozes são. Em vez de usar a linguagem literal das acusações, o autor constrói um discurso sem sentido único, feito de fragmentos do noticiário real e de uma realidade inventada, na qual a estrutura do livro – alternando texto, fotografia e ilustração, em gêneros como o relato, o ensaio, a entrevista e o teatro – emula a subjetividade múltipla da memória.

Como no caso da performance do MAM, a experiência estética surge a partir de uma experiência física. Tudo começa e termina no corpo, que seguiu produzindo seus efeitos (os “jatos de ansiedade” ao ter que falar do assunto, por exemplo) enquanto Schwartz estava entregue à fúria da manada. Como expressar isso de um ponto de vista que é e não é particular, é e não é mediado? “Não era a arte que precisava de proteção, era eu. Mas além de ter que falar com uma voz coletiva, não poderia deixar a arte descer de seu estatuto de Arte. Tinha que responder as perguntas como um artista e não como quem sofreu um ataque.”

(…)

A fala de Schwartz vale para a jornada pessoal de A Nudez…, e em algum nível se aplica também a O Deserto e a Semente, romance de 1998 que agora sai no Brasil em tradução de Sérgio Molina (Companhia das Letras, 230 págs.). Nessa pequena joia do argentino Jorge Baron Biza, o sofrimento em si não sustenta nada: de novo é preciso usar recursos estéticos, reinventando um fato biográfico baseado numa agressão.

Trechos de texto sobre os livros A Nudez da Cópia Imperfeita e O Deserto e a Semente, publicado no Valor Econômico em 3/11/23. Íntegra aqui.