Michel Laub

Mês: janeiro, 2009

Fim de semana

 

Um filme simpáticoJuventude, de Domingos de Oliveira.

 

Um filme nostálgicoTitãs – a vida até parece uma festa, de Branco Mello e Oscar Rodrigues Alves.

 

Uma exposição – fotografias de José Medeiros no IMS/SP.

 

Um livro de John UpdikeConsciência à flor da pele (Companhia das Letras, 240 págs.).

 

Um restaurante – Taormina.

John Updike (1932-2009)

 

Morreu hoje nos Estados Unidos o escritor, crítico e ensaísta John Updike, autor de mais de 50 livros e vencedor do Pulitzer e do National Book Awards, entre outros prêmios. A seguir, trechos de uma entrevista que fiz com ele para a revista Bravo em 2000:

 

Sendo verdadeiro consigo mesmo e com sua versão particular da realidade, o escritor tem possibilidade de produzir um livro esclarecedor em benefício do próximo. Se fizer esforço demais para ser social, moral ou transcedental,  corre o risco de produzir sermões sem vida, propaganda para uma coisa ou outra (…). Sempre se começa pelo pessoal, que é vital por si só.”

 

“Eu acho que os escritores sempre foram invejosos e fofoqueiros. Um escritor que não se interessa por fofoca não se interessa pela natureza humana. Quanto aos críticos, são os inimigos naturais dos escritores – da criatividade,  da diversão.”

 

“Eu me interesso pelos protestantes do século 19 – Melville, Hawthorne, Henry James –, mas não vejo a utilidade de se pensar em si mesmo como pertencente a uma tradição étnica. Os Estados Unidos, como o Brasil, são uma nação de imigrantes e diversidade. São as idéias por trás do meu país, os conceitos de empreendimento e liberdade individual e como isso funciona na atualidade, que me interessam”

 

“Minhas histórias sobre a vida suburbana tentam descrever a vida adulta, e há muitos motivos para tristeza mesmo nas vidas adultas mais bem orientadas. Experiência traz consigo desilusão.”

 

“‘Moderno’ está em uso há muito tempo. Até ‘pós-moderno’ parece cansado. ‘Moderno’ fazia algum sentido quando Joyce, Eliot, Pound, Rilke, Kafka e outros estavam produzindo uma arte estranha e impressionantemente diferente – quando, para dizer de um jeito diferente, as velhas formas tinham se quebrado e não podiam mais conter vida e verdade. Em geral, ‘moderno’ é o que apela para nossa percepção do presente perigoso, e não para nosso apetite por nostalgia e pelo confiável convencional.”

 

“Gostaria de escrever menos e, mais do que nunca, escrever para me divertir.”

Ainda Clint Eastwood

 

Sendo mais específico sobre o assunto do post anterior:

 

1) a protagonista vivida por Angelina Jolie encarna um tema essencialmente americano, o do voluntarismo individual diante do sistema burocrático e corrupto. Na trajetória dessa família de heróis, paralelamente a momentos eventuais de dúvida e fraqueza – que nem estão em A troca, diga-se –, sabemos o tempo todo para quem devemos torcer. Nada contra esse gênero de filmes, só não consigo ver neles as matizes próprias de uma abordagem “não maniqueísta”.

 

2) a idéia do horror está, por exemplo, em Sobre meninos e lobos e no desfecho de Menina de ouro. Nenhum dos dois filmes acrescenta algo muito original ao que já sabemos sobre o tema, o que não significa uma condenação antecipada a ambos. Importa é o que Clint Eastwood dá em troca: no primeiro caso, apesar de toda a aparência de estudo moral sobre a culpa, apenas a reiteração meio sádica de um sofrimento que não queremos e não precisamos ver; no segundo, pelo menos até o início das lutas de Hilary Swank, uma esplêndida narrativa sobre o mundo do boxe – suas regras, seus personagens, sua mitologia.

 

3) Como em Morgan Freeman, Gene Hackman, Tommy Lee Jones e Anthony Hopkins, o melhor personagem de Clint Eastwood é o cético entrando na velhice, cujos atos trazem aquele misto de amargor e desprendimento de quem já viu um pouco de tudo, de quem já sofreu e fez sofrer o bastante. Ainda falando de matizes, é o tom resignado de tipos assim que consegue botar alguma sabedoria, algum charme, algum humor para além da culpa e da dor em histórias como Os imperdoáveis e Menina de ouro. Em A troca, diferentemente, fica-se apenas com o que o horror tem de inapelável.

Clint Eastwood e o maniqueísmo

 

Jorge Coli escreveu que A troca, de Clint Eastwood, caracteriza-se por uma “convicção ética que exclui o maniqueísmo”. Entre outras razões, isso ocorreria porque o diretor filma de maneira crítica policiais executando suspeitos – o que confronta a mitologia do justiceiro típica do início de sua carreira. Também porque o personagem psicopata, encarnação possível do mal absoluto, ao mesmo tempo mostra “dimensão humana” na cena em que, dando vazão à sua “consciência infantil”, canta Noite Feliz antes de ir para a forca.

 

Embora em geral concorde com Coli quando o assunto é cinema americano, desta vez tive uma impressão oposta. Para começar, é só fazer um teste: qual o filme de Hollywood nos últimos vinte anos – ou até trinta – que não mostrou uma delegacia como antro de corrupção e abuso de autoridade, normalmente incentivada pelos chefes, pelo comandante do departamento e pelo prefeito, todos adversários de um detetive honesto (ou de uma mãe desesperada, ou de um pastor que prega num programa de rádio)? E qual filme sobre psicopatas não chamou atenção para algum aspecto pitoresco, divertido, lógico ou comovente na sua personalidade ou conduta?

 

Dá para dizer, inclusive, que não ser maniqueísta, ou ao menos não aparentar sê-lo, virou um clichê hollywoodiano como qualquer outro. De minha parte, não acho que a ambigüidade seja necessariamente mais rica ou moralmente superior à convicção. Mas em A troca parece ser isso o que falta: a par da indiscutível qualidade técnica da direção, Clint Eastwood se limita a reforçar os sentimentos óbvios que uma história brutal como essa desperta no espectador – o choque, a raiva, a piedade. Tudo para dar em troca uma idéia até certo ponto banal, que perpassa toda a sua obra recente: a de que a vida civilizada não exclui o horror, tenha ele origem no acaso, tenha em atos individuais ou coletivos.

Fim de semana

 

Um ótimo livro relançado – O bom soldado, de Ford Madox Ford (Alfaguara, 240 págs.).

 

Duas exposições saindo de cartaz – Thomie Ohtake e Jeanete Musatti na galeria Nara Roesler.

 

Um filme tecnicamente bem feito – A troca, de Clint Eastwood.

 

Uma música – Free City Rhymes, do Sonic Youth.

 

Um restaurante – Lola Bistrot.

Fim de semana

 

Um livroEntrevistas com Francis Bacon, de David Sylvester (Cosacnaify, 208 págs).

 

Uma reportagem – o perfil de Fátima Toledo por Emilio Fraia, na Piauí de janeiro.

 

Uma exposição – fotografias de Haruo Ohara na Fiesp.

 

Um filme saindo de cartaz – Fatal, de Isabel Coixet.

 

Uma música Don’t watch me dancing, do Little Joy. 

A vida dos rinocerontes

 

Há uma armadilha em que Marlon Brando, o melhor de todos os ex-alunos do Actors Studio, e atores contemporâneos mais ou menos da mesma família, como Clive Owen e Russell Crowe, sempre evitaram cair: deixar que o carisma de sua presença, baseado num imaginário ancestral da figura masculina, falasse mais alto que a técnica, aquilo que o trabalho de um intérprete tem de autonomia e de construção interior para além da intensidade física.  

 

Na Hollywood de hoje, o mais óbvio caso oposto é Sean Penn. Outro é Benicio Del Toro. Num filme como 21 Gramas, que esses dias passou de novo na TV, a reunião dos dois transforma cada cena no que Pauline Kael chamou, em contexto semelhante, de documentário sobre a vida selvagem dos rinocerontes (“onde todo mundo bufa o tempo todo”). Tamanha catarse de testosterona se sobrepõe a qualquer eventual verdade da trama, e o que já se equilibrava na corda bamba da solenidade, como se estivesse ditando bulas originais sobre temas-caixa-alta como a Vida e o Destino, o Eu e o Outro, acaba passando do ponto e caindo nos braços gordos do kitsch – aqui, em versão úmida, granulada e digital. Para completar, só falta Forest Whitaker no elenco.