Peguei você

por Michel Laub

Num ensaio publicado na revista The New Yorker, comentando o filme Maestro, um dos candidatos ao Oscar 2024, Richard Brody descreve um “hábito ruim” de críticos que analisam cinebiografias: buscar informações sobre a vida dos biografados para “brincar de peguei você” com omissões dos diretores. “A tentação de fazer isso responde a um sentimento – o de que muitos desses filmes deixam de fora mundo inteiros (…) que não cabem nos modelos sentimentais de Hollywood (…). Quando emoções dos personagens são perdidas, é natural procurar por fatos que justifiquem a lacuna.”

Maestro narra a vida do músico, compositor e regente norte-americano Leonard Bernstein (1918-1990). Ter sido escrito, dirigido e estrelado por Bradley Cooper talvez indique um problema de origem: a tentativa de fazer caber no ego do autor do projeto a grandeza de seu personagem, com uso exibicionista de recursos – visual pirotécnico, ritmo às vezes rápido demais – que desviam a atenção do tema do filme. A questão é, e aí volto à ideia de Brody: qual é/deveria ser esse tema? A escolha de Cooper foi fazer a história girar em torno da bissexualidade de Bernstein, mantendo-a sob o âmbito de um conflito privado: o modo como o desejo do personagem interferiu em sua relação com a esposa, a atriz Felicia Montealegre (Carey Mulligan).

Diante do resultado, que considerou “oco”, Brody lembra que o filme omitiu a dimensão política que cercava esse drama. Numa única cena envolvendo o também maestro Serge Koussevitzky, e mesmo assim de forma discreta, sugere-se que a união de Bernstein com Felicia pode ter ajudado uma então incipiente carreira no ambiente homofóbico dos 1940 e 1950. Junto a episódios ausentes da trama, como intrigas que o protagonista teria feito contra um colega gay – Dimitri Mitropoulos, seu predecessor na Filarmônica de Nova York –, a questão poderia no mínimo ter dado mais relevo a essa trajetória.

Início de texto publicado no Valor Econômico, 2/2/2024. Íntegra aqui.