O grande tagarela

por Michel Laub

Já contei neste espaço que servi no CPOR de Porto Alegre. Foi em 1992, ano do impeachment de Collor, da conferência internacional do clima no Rio de Janeiro e da demarcação das terras Yanomami. No pelotão havia um jornalzinho, eu era um dos editores, e nessas páginas lidas trinta anos depois encontro excertos do pensamento militar médio da época: nós fazíamos entrevistas em que o personagem da edição dava respostas breves, seguras o bastante para não causar problemas com a cúpula do quartel.

Assim, dá para dizer que oficiais da ativa de então – no caso, tenentes e majores que entrevistamos – se sentiam à vontade para falar publicamente de democracia (“é muito boa se funcionar”), ecologia (“importante, mas estão espetacularizando demais”), Amazônia (“eu queria ter o padrinho que os índios têm”). Diante da pergunta “qual o maior problema do Brasil e qual a solução?”, um deles retomou o tema mais sensível nos discursos que passamos o ano ouvindo tristemente, entre faxinas, guardas e sessões de Ordem Unida: “Salário dos militares. Aumento”.

O preâmbulo pessoal não é por acaso. O CPOR é uma espécie de versão resumida das Agulhas Negras, a academia que forma o oficialato brasileiro. No debate sobre a presença fardada excessiva em governos recentes, é na própria mentalidade da caserna – sua autoimagem, seu papel político autoimposto – que está parte dos argumentos. Como lembra o ótimo Poder Camuflado, do jornalista Fabio Victor (Companhia das Letras, 446 págs.), as Forças Armadas se veem como tutoras da sociedade brasileira desde a fundação da República: às vezes na linha de frente, às vezes nos bastidores, nunca como o que a tradição francesa de tropas profissionais chama de “o grande mudo”.

Trecho de texto publicado no Valor Econômico, 10/3/23. Íntegra aqui.

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