Poder e futuro
por Michel Laub
“O poder não se toma, se constrói”. A frase, muito ouvida em debates de intelectuais petistas nos anos 1980 e 1990, é citada num trecho de “PT – Uma história”, do sociólogo Celso Rocha de Barros, que comecei a ler na semana anterior ao segundo turno (Companhia das Letras, 488 págs.).
Difícil não pensar nela depois da vitória de Lula, quando vimos uma espécie de apocalipse cognitivo em protestos nas estradas, nas cidades. Um grupo chora e canta para comemorar a suposta prisão de Alexandre de Moraes. Uma evangélica reza ao saber que foi decretado o Estado de Defesa. Nada disso teria chance de ocorrer num ambiente conservador quinze, talvez dez anos atrás – não com personagens usando essa linguagem, mostrando essa percepção da realidade.
Como surgiu o atual extremismo? Há explicações para todo gosto, indo do marxismo ortodoxo (que falará das crises econômicas, dos paradoxos do capitalismo tardio que criou a Internet) ao tecnicismo psicologizante (para quem o vilão é apenas o Whatsapp ou o Tik Tok, com seus efeitos histéricos que independem de contexto). O mais provável é que a resposta seja mista: há razões estruturais para a descrença nas instituições representativas, mas também certa aleatoriedade no ambiente onde ela se expressa – uma forma de comunicação inédita, que obedece a lógicas às vezes imprevistas até por quem projeta algoritmos e plataformas.
De um modo ou de outro, o resultado é um fato político incontornável: na clássica definição de Hannah Arendt, o debate público foi em boa parte sequestrado pela ralé – os refugos de diferentes classes que rejeitam a democracia, substituindo-a por uma utopia reacionária gerida por estímulos emocionais incessantes. Para furar essa bolha o mero resultado econômico talvez não baste – até porque porcentagens em índices abstratos, como costumam ser os da área em épocas não tão miseráveis nem tão abundantes, dependem de narrativas que as embalem para o público leigo.
Resta então o campo de batalha cultural, no sentido amplo do termo. É disso que fala o livro de Rocha de Barros, a partir de um levantamento minucioso de dados técnicos e informações conjunturais. Porque a história do PT, do início nos estertores da ditadura até os piores momentos entre 2013 e 2022, confunde-se com a formação da sociedade civil como a conhecemos na Nova República. Sem o trabalho miúdo de conscientização, que uniu setores como sindicatos, esquerda religiosa, movimentos sociais e classe média instruída, não haveria a mudança de condições para que um operário chegasse três vezes à presidência num país autoritário e injusto.
Trecho de texto publicado no Valor Econômico, 11-11-2022. Íntegra aqui.