Lágrimas na caçamba
por Michel Laub
Assisti a 34 das 38 partidas do Grêmio na Segunda Divisão de 2022. Não sei por que fiz isso comigo mesmo, ou melhor, sei: algo da melancolia dessa jornada, vivida entre imagens de lances bisonhos em estádios no geral vazios, remete às profundezas da infância e da adolescência. Sempre que tentei largar o futebol – uma convenção que gera mais angústia e raiva do que eventuais alegrias –, percebi como é difícil dizer adeus ao que fomos e, em alguns aspectos, ainda somos.
A Copa do Mundo, nesse sentido, é praticamente um outro mundo. Embora seja excitante em seus próprios termos, ao espetáculo luminoso do Catar faltam ingredientes sem os quais a convenção me diz pouco: entre eles a nostalgia da precariedade, o fascínio pelo sofrimento. A sucessão de jogos de alto nível praticados por estrelas multimilionárias, cujas trajetórias independem da paisagem afetiva das arquibancadas brasileiras, parece mais um exemplo do que nosso tempo não cansa de fazer – direcionar emoções primárias/inocentes para fins econômicos, aqui agenciados pela FIFA em seus enclaves mafiosos.
Trecho de resenha de A Falta, de Xico Sá, e outros livros de ficção sobre futebol. Publicado no Valor Econômico, 25-11-22. Íntegra aqui.