Cem escritores brasileiros e suas manias quando escrevem (14)
por Michel Laub
André de Leones, autor de Como desaparecer completamente – “Escrevo à mão, em uns cadernos chamados Tilibra Opus (que estão sumindo do mercado e isso tem me causado um certo desespero). Não valho nada sem uma boa noite de sono. Então, nunca tive isso de escrever madrugada adentro. Barulho não me incomoda. Escrevo durante todo o dia, com muitas interrupções. Paro e assisto a algum filme ou série ou jogo de futebol ou de tênis. Respondo e-mails, vou ao Twitter, blogo. Aliás, com tantas interrupções, é incrível que eu consiga produzir. Adoro escrever em quartos de hotéis. Sinto como se estivesse em outra dimensão quando me tranco em lugares assim. Talvez esteja, não sei. Não consigo trabalhar quando bebo. Também crio uma espécie de trilha-sonora para o que estiver escrevendo. Uma seleção de músicas que ajude a ritmar a narrativa em progresso.”
Edney Silvestre, autor de Se eu fechar os olhos agora – “Gostaria de entender que processo é esse, que permite – ou às vezes não permite – que eu escreva. É uma parte incontrolável, ou deveria dizer descontrolada, de mim que se manifesta quando e onde bem entende. Quartos de hotel, aeroportos, delegacias, ônibus, aviões, já me aconteceu nos mais inusitados lugares. Em uma calçada de Copacabana, em frente a um hotel, enquanto esperava um candidato à presidência decidir se descia ou não para falar conosco, repórteres, talvez tenha sido o mais esquisito de todos. O texto, ou a revelação sobre um personagem, vem. Se dou sorte de ter um papel e caneta por perto, ou se estou diante de um computador, digito, manuscrevo, registro. Caso contrário, sou obrigado a aguardar por uma nova ‘visita’. E, sobre o candidato: ele não desceu para falar com a imprensa. Nem ganhou a eleição.”
Elvira Vigna, autora de Nada a dizer – “Igual ao Tezza, também arrumo tudo. Aí tem uma hora que não tem mais jeito e começo o ritual de sair da minha ‘zona de conforto’. Vou para local isolado e desconhecido. Hotel vagabundo na minha própria cidade, outra cidade. Em geral, algo a ver com o cenário do que vou escrever. Escrevo com fome, com vontade de fazer xixi, frio, com o computador (mal) equilibrado no colo. Escrevo em geral na primeira pessoa. Acho que é por isso. Para o ‘eu’ não ser tão eu.”
Luiz Antonio de Assis Brasil, autor de Música perdida – “Escrevo por acaso, isto é, nunca pensei em ser escritor. Tudo foi acontecendo e eu me fui acostumando. Hoje já não posso me conceber julgando processos, que era o destino que minha família me dissera para cumprir. Escrevo no meu melhor à tardinha: já não é mais tarde, e ainda não é noite. Mas se eu me empolgo, posso entrar noite a dentro, desde que tenha começado à tardinha. Antes eu escrevia melhor pela manhã, cedo. Depois descobri que sofria de deficiência de um produto químico no sangue. Corrigi isso e hoje me acordo tarde, isto é, pelas 7, quando tenho de sair correndo para a Universidade. Uma pequena mania: não termino uma cena, ou capítulo, no mesmo dia em que estive trabalhando nele. Deixo correr uma noite e aí, no dia seguinte, descansado, escrevo o final. E enfim: só sei escrever romances. Fico paralisado ante o conto e a poesia. Poesia e conto são para quem sabe.”
Natércia Pontes, autora de As mulerez – “É uma espécie de cigana que recebo, acho. Um espírita me contou. E tem de ser no silêncio absoluto, madrugadão mesmo. Britadeira, vozes, alarmes e telefones são meus maiores inimigos. Música sem letra, geralmente clássica. Às vezes vinho, às vezes água. Tenho mania de escrever no caderninho algumas palavras-chave e imagens. Depois passo pro word, depois imprimo, reviso, gravo e escuto o texto para identificar alguns tropeços sonoros. Vou até o fim. Ultimamente tenho deixado alguns trabalhos pela metade, marinando. Tem funcionado. É muito bom ver o texto escrito, mas cansativo. (Ah, e gosto de ter uma flor por perto. Deve ser por causa da cigana.)”