Cem escritores brasileiros e suas manias quando escrevem (7)
por Michel Laub
João Batista Melo, autor de Um pouco mais de swing – “Nos meus primeiro livros, eu tinha um ritual curioso: eu somente conseguia escrever com caneta e em folhas de papel jornal (aquele amarelado, que hoje nem sei se ainda se encontra nas papelarias). Se fosse um papel branquinho, eu travava. Se eu sentasse diante do computador, mais bloqueado eu ficava. Até que comecei a escrever meu primeiro romance. Lá pela página 100 do manuscrito, naturalmente redigido numa caligrafia hieroglífica, pensei: depois eu vou ter de passar tudo isso a limpo e, ainda por cima, entender o que eu escrevi meses atrás? Então, o ritual foi extinto, e as idéias passaram a fluir normalmente diante do teclado e do monitor. Mas um outro ritual, que vinha da mesma época, permaneceu. O cinema tem uma influência muito grande no meu trabalho e eu levo isso aos detalhes: eu escrevo sempre ouvindo trilhas sonoras instrumentais de filmes. Não adianta colocar um jazz, uma música clássica, uma MPB. Não funciona. Tem de ser trilha de filme. Mas suspeito que esses rituais acabam sendo tentativas de manter sob controle meu maior problema: a indisciplina. O trabalho no qual obtenho minha sobrevivência (que, claro, não é a literatura) ocupa os meus dias quase inteiros. A maior parte do tempo que sobra dedico à minha família. O que resta é disputado entre escrever, ler, ver um filme, encontrar com amigos, não fazer nada, etc. E nos raros momentos em que consigo me obrigar a me sentar para escrever, preciso o tempo todo fiscalizar minhas mãos para que o mouse não abra a internet, vá organizar pastas de arquivos ou fique simplesmente brincando com a setinha do cursor na tela.”
Marcelo Carneiro da Cunha, autor de Nem pensar – “A única condição para eu poder escrever é ter um computador com um teclado razoavelmente compreensível e uma cadeira que não acabe com a minha cervical e lombar ao mesmo tempo. Escrevo com qualquer roupa, mas alguma e, apesar de poder escrever a qualquer hora, escrevo à tarde. Não gosto de idéia de unir escrita a uma superstição, tipo vestir uma certa roupa, usar um certo papel, uma certa luz, ou o que seja. Prefiro associar o sucesso na solução de um problema criativo que nos persegue a uma combinação de coisas meio explicáveis e meio inexplicáveis que ocorrem dentro da nossa cabeça, e mais nada. A internet é a pior coisa que inventaram, porque a gente sabe que ali SEMPRE tem alguma coisa acontecendo, e se remover para escrever vira algo muito difícil. Gosto de ouvir música enquanto escrevo, sempre rock contemporâneo. Fico pensando o que aconteceria comigo se eu escutasse, sei lá, MPB. Será que eu iria escrever como o Chico Buarque?”
Manoela Sawitski, autora de Suíte dama da noite – “Isso vai mudando com o tempo. Lembro que no primeiro romance, achava que precisava de café e cigarro, se fosse de dia, e cigarro e um pouco de vinho à noite. Quando terminei estava com gastrite. Aí entrei numas de reduzir o café e tentar fumar cachimbo. Era ridículo, mas ninguém via. E vá conseguir manter o cachimbo aceso e pensar ao mesmo tempo?! Fracassei. A roupa só tem que ser confortável, porque não me sento direito, fico fazendo contorcionismos com as pernas. Arial 12, entre linhas 1,5: sempre. Já escrevi com música, no silêncio, com obra no vizinho, televisão ligada na sala. Acho que só sou completamente incapaz se alguém assistir Faustão ou BBB perto de mim. Agora, sempre fico um pouco inquieta até engrenar. Ligo computador, penso que está tudo certo, que já vai acontecer, e de repente tenho certeza que preciso pegar um copo de água. Volto e lembro que não escovei os dentes ou me esqueci de tomar a vitamina. Depois acho que é melhor prender os cabelos. Ou soltar. Vou me enlouquecendo até que canso e sento pra escrever bem comportada. Também gosto muito de caminhar. Andando o pensamento vai fluindo e se encadeando, é impressionante. Volto correndo, doida pra passar tudo pro papel. Mas aí acho que preciso tomar banho primeiro, claro.”
Tatiana Salem Levy, autora de A chave da casa – “Sou obsessiva com o silêncio e a solidão. Não suporto escrever onde haja outras pessoas. Só de saber que há alguém em casa fico nervosa e não consigo produzir. Barulho é pior ainda: um vizinho pisando no meu teto já pode me fazer perder uma boa página… Quanto ao horário, prefiro escrever de manhã. Superstições, tenho muitas, mas não para escrever.”