Cem escritores brasileiros e suas manias quando escrevem (10)

por Michel Laub

Clarah Averbuck, autora de Vida de gato“Sempre melhor sozinha e no silêncio. Às vezes levanto da cama depois de posicionada pra dormir entre travesseiros e edredons porque nos momentos de solidão e silêncio é que as ideias começam a se organizar. Quando tenho algum texto para entregar com prazo vou mentalmente trabalhando nele por aí, na feira, no supermercado, no ônibus. Quando chega a hora de escrever já está praticamente pronto. Outros vêm de supetão mesmo. São os que eu mais gosto;  respostas rápidas a inspirações momentâneas ou sentimentos fortes causados por algum outro texto. Sempre os melhores. cummings, como diz meu marido – ou ex-marido, nem eu sei mais, já que vivo no dia da marmota. No dia da marmota não tem texto.”

Douglas Diegues, autor de El astronauta paraguayo – “Para escrever um texto en português selvátiko ou portunhol selvagem tengo necessidades que son manías ou vice-versa. Eis algumas: 1) Estar solo, com las puertas bien trankadas, en un kuarto, escritório, sala kualker.  Con las puertas del kuarto bién trankadas, la imaginacione vagabundea mejor. 2) Estar com las baterias bem carregadas; se estiver medio sonolento, cansado, com dificuldade de concentracione, non vou além dum soneto salvaje. 3) Escrever una primeira vbersione a lápis y después digitar el resultado (cortando ou aumentando) numa vieja notebook sempre ayuda mais que escrever diretamente en la vieja notebook. 4) Tener la sensacione de estar escondido, camuflado, klandestino, nel momento de la escritura, ayjuda bastante; me es impossible escrever em publico, sozinho ou acompanhado, tipo mesa de bar, restaurante, café, choperia, etc.  5) Escrever sentado em apyká, assento guaranitiko de madeira, tipo banquinho, que non es lá muito confortable, para mantener la mente mais desperta, pues que el conforto me dá um sono desenfrenado. 6) Intensa concentracione; sem concentracione nunka me ha salido algo que preste. 7) Escribir com lágrimas paraguaias sinceramente sinceras. 8 ) Saber distinguir que una cosa es poner el guevo y otra es kacarejar. 9) Leer el texto em voz alta com autocrítika afiada como la navalha del niño alien travesti nazi de monopatin rojo.”

Joca Reiners Terron, autor de Do fundo do poço se vê a lua – “Em geral, eu não escrevo. Vivo prorrogando a escritura. Alguém já disse – talvez Donald Barthelme, mas não tenho certeza – que escrever um livro é ganhar o campeonato mundial de natação e não saber nadar quando cair na piscina de novo. Cada livro é um aprendizado, exige a invenção de novos métodos. Agora mesmo, que terminei um romance e preciso começar outro, não sei o que fazer. Ando da sala pro quarto, do quarto pra sala, meio deprimido. Deve ter alguma ética própria nisso, nesse sufoco. Às vezes acho que estou me afogando.”

Raimundo Carrero, autor de O amor não tem bons sentimentos – “Só tenho um hábito quando escrevo: rezo. Como todo bom sertanejo, acredito no Espírito Santo e faço minhas orações. Em geral, não preciso de horários ou circunstâncias. É claro que costumo acordar muito cedo para escrever. E estou sempre fazendo alguma coisa. Ando com uma agenda onde faço anotações. Agora mesmo estou escrevendo um Diário da Criação onde informo tudo o que acontece comigo no plano literário: personagens, cenas, cenários, diálogos, e adianto as informações técnicas: por que uso um diálogo direto ou indireto, qual a necessidade de uma cena – rapidez – ou de um cenário – lentidão. Explico a função e o efeito. Enfim, revelo as estratégias para escrever uma novela. Faço  tudo com muitos detalhes. Prefiro acreditar no trabalho obstinado. Não conheço domingos, feriados ou dias santos: trabalho e trabalho e trabalho. Sempre.”

Rodrigo Lacerda, autor de Outra vida – “Gosto de começar a escrever bem cedo, de manhã. Como não gosto de café, tomo coca-cola, pois cada um tem a cafeína que merece. Num bom dia, posso escrever até cinco, seis horas seguidas, sem levantar da cadeira. Num mau dia, não só não sai nada como começo a achar todos os meus livros anteriores um horror. Então o jeito é sair do escritório e ler, até que algum outro escritor me dê vontade e coragem de escrever novamente. Quando fico mais de uma semana sem escrever nada, deprimo. Quando estou embalado em alguma coisa, todos os problemas parecem menos graves.”

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